Valor Econômico
Em entrevista, presidente constrói novo
discurso sobre o combate à violência
“É importante colocar os bandidos na cadeia”,
exortou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nessa quinta-feira, em
entrevista ao programa “Balanço Geral Litoral”, da TV Record, especializado em
casos policiais. Não parecia o mesmo presidente, que raramente aborda temas
como violência e criminalidade em suas falas.
Era o mesmo mandatário petista, porém,
envergando um novo figurino, mais apropriado ao choque de realidade causado
pelas recentes pesquisas de opinião que identificaram uma queda expressiva e
inédita na avaliação do governo.
No mesmo programa de TV, ao estilo “Cidade Alerta”, Lula afirmou que o governo quer fazer uma “revolução” na segurança pública, e criticou governadores - em um recado velado ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) - que se opõem à proposta do governo federal de ampliar as atribuições da Polícia Federal (PF) e de modernizar a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O objetivo é que as instituições possam atuar
conjuntamente, em situações previstas em lei, com as polícias civil e militar,
e ainda, com as guardas municipais, no âmbito do Sistema Único de Segurança
Pública (Susp). Em apertada síntese, é o que diz a emenda constitucional (PEC)
da Segurança Pública, que o governo deve enviar ao Congresso depois do
Carnaval.
Falando ao eleitor paulista, Lula citou
exemplo dessa integração das polícias, no município de Votuporanga (SP), em que
a PF e a polícia militar, juntas, apreenderam 1 mil toneladas de maconha. “A
gente vai ter o dobro de força contra o crime organizado”, defendeu, pedindo ao
Congresso a aprovação do texto.
A inflexão lulista não tem mistério.
Explica-se pelo susto que o presidente, auxiliares e aliados tomaram com a
recente rodada de pesquisas, em que os principais institutos de opinião
revelaram os altos índices de reprovação do governo. Um dos dados que mais
surpreendeu os governistas foi a pesquisa Quaest, demonstrando que a rejeição a
Lula ultrapassa os 60% nos três maiores colégios eleitorais, São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Em São Paulo, onde o PT encolheu e a oposição é
hegemônica, a desaprovação a Lula chegou a 69%.
Rodada do Datafolha de janeiro, mostrou que
21% consideravam, espontaneamente, a saúde o principal problema do país,
seguida da segurança pública (12%). Tradicionalmente identificada como uma
agenda da direita, e uma das principais bandeiras do ex-presidente Jair
Bolsonaro, a segurança pública sempre foi uma área onde a esquerda perdeu de
goleada.
Desde o início do governo, Lula era
aconselhado a evitar a pauta, ao argumento de que era atribuição dos
governadores, e manter distância do tema poderia blindá-lo dos problemas. Nos
últimos anos, entretanto, a percepção entre a população de escalada da violência,
com assaltantes tirando a vida de cidadãos para roubar celulares, sobrepõe-se a
índices que, eventualmente, indicam redução no número de homicídios.
Face a essa realidade, Lula adotou nova
postura diante do tema e discursou, nessa quinta-feira, como se tivesse
despertado de uma hibernação. “Todo mundo sabe que em todos os Estados da
federação a segurança pública é um problema, todo mundo nesse país está
preocupado com a violência, com o roubo de celular, com o roubo de carro, com o
genocídio [Sic], com o feminicídio”, afirmou. As declarações foram feitas em
Santos (SP), durante o evento de lançamento do edital para a construção do
túnel que ligará o município ao Guarujá, obra em parceria dos governo federal e
paulista.
Assistiam Lula, na primeira fila, o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic),
Geraldo Alckmin. O primeiro é potencial adversário de Lula na eleição de 2026.
Já Alckmin tem se projetado como o quadro mais competitivo da esquerda na
corrida ao Palácio dos Bandeirantes.
O palco escolhido para a inflexão do discurso
de Lula sobre segurança foi estratégico: a Baixada Santista, um dos redutos de
maior violência no Estado, dominado por facções criminosas. No começo de 2024,
o local foi alvo da Operação Verão, da Secretaria de Segurança de São Paulo,
que culminou em 56 mortes em confrontos com a polícia, além de 1.025 presos, e
2,6 toneladas de drogas apreendidas. Foi encerrada depois que oito policiais
militares efetuaram 188 tiros de fuzil contra três suspeitos. Pesquisas internas
mostraram que parcela expressiva dos paulistas aprovou a ação policial, a
despeito das críticas de excesso do uso de violência da parte do Estado.
Antes dessa quinta-feira, que emerge como um
divisor de águas na retórica de Lula sobre segurança, o governo era alvo de
críticas de aliados pelo silêncio e letargia em torno da agenda. Até então, a
principal iniciativa havia partido do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
autor da PEC da Segurança Pública, que enfrentava resistências até mesmo no
governo, e dormitou, por meses, nos escaninhos da Casa Civil.
Nos últimos meses, entretanto, Lewandowski
saiu em campo em busca do apoio dos governadores, que temem interferência do
governo federal nas polícias civil e militar. O ministro ouviu críticas, fez
mudanças e construiu o texto mais redondo possível, que seguirá ao Congresso.
De alvo de desdém inicial, a PEC de Lewandowski agora virou trunfo de Lula.
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