sexta-feira, 11 de julho de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


DEMARCAÇÃO DE TERRITÓRIO
Maria Cristina Fernandes


As chances de um encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a cúpula do PSDB, a pretexto de uma proposta de consenso de reforma política, já estavam detonadas antes mesmo de surgirem as algemas de Daniel Dantas. PT e PSDB não chegarão a qualquer conclusão se o banqueiro do Opportunity teve atuação mais vistosa na privatização da telefonia ou no mensalão às vésperas de uma eleição municipal. É com as urnas de outubro abertas que os dois partidos medirão forças para 2010. Não se deve esperar que se produzam acordos políticos nessas circunstâncias.

Lula chegou a falar sobre o pretendido encontro com o governador de Minas, Aécio Neves, e a mencionar a intenção de convidar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem se reencontrara, dias antes, no velório de Ruth Cardoso.

Lula deixou em Minas a impressão de que não havia escolhido o melhor momento para fazer a proposta. Com uma pauta excessivamente aberta e sem que os partidos sequer tenham consenso interno sobre os temas da reforma, não tardaria quem visse no encontro o pacto entre um presidente que prepara seu retorno e dois presidenciáveis tucanos em revezamento pelo poder. E que tudo se resumiria ao fim da reeleição.

O ícone desta aproximação entre os dois partidos é a disputa na capital mineira. A inaudita disposição do presidente da República de subir neste palanque, revelada em sua passagem por Itajubá, dias atrás - "Vou participar pouco das eleições municipais, mas Belo Horizonte é uma das cidades que eu quero ir" - teve, no entanto, efeitos opostos sobre os dois principais artífices da aliança local, Aécio e o prefeito Fernando Pimentel (PT).

Entre os tucanos mineiros, a impressão é de que Lula foi até além do que se esperava na declaração de seu entusiasmo por uma coligação que, apesar de não ser oficialmente integrada pelo PSDB, tem, no Palácio da Liberdade, seu principal bunker. "A participação do governador Aécio é importante porque , certamente, vai ajudar a gente a eleger o candidato", disse, Lula, em Itajubá, já senhor da situação.

Assim como Lula, Aécio também tem uma intensa agenda de viagens para participar de eventos de campanhas municipais. Estreará em Curitiba, onde o PSDB tem o seu mais franco favorito nas capitais, o prefeito Beto Richa. No Rio, já mobilizou economistas da Casa das Garças, muitos dos quais ocuparam cargos de primeiro escalão no governo FHC, para ajudar o candidato do PV, Fernando Gabeira na elaboração de seu programa de governo. No início desta semana, recebeu um coordenador da campanha de Geraldo Alckmin, em São Paulo, para discutir os rumos da campanha. Apostou que o governador de São Paulo, José Serra, será levado a subir no palanque de Alckmin pela polarização que a imagem de Marta Suplicy colada a de Lula produzirá em São Paulo.

Se a desenvoltura de Lula no palanque belorizontino incomoda o PSDB mineiro, é, por outro lado, um desagravo ao prefeito Fernando Pimentel, que enfrentou todo o primeiro escalão mineiro do governo federal para manter a aliança com Aécio.

O encontro de Itajubá aconteceu um mês depois daquele que reuniu, no Palácio do Planalto, Lula, Pimentel, o vice-presidente José Alencar, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, e três ministros mineiros, Hélio Costa (Comunicações), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Luiz Dulci (Secretaria-Geral). Naquele encontro, motivado em grande parte pelo desvelo de Lula com Alencar, Pimentel ouviu a queixa generalizada de que o acordo havia sido costurado com Aécio à revelia de toda a base mineira do presidente. E a insistência para que se trocasse o candidato da aliança.

Conjuntura eleitoral desfavorece acordos

Ao final da reunião, o prefeito dirigiu-se a Lula e perguntou: "Então é isso que o sr. quer, presidente?". E ouviu dele: "É isso que eles querem". Pimentel voltou para BH e não moveu uma palha, mas o bombardeio continuou pelos jornais.

O acordo acabou saindo e, em Itajubá, Lula passou um pito nos mineiros da Esplanada: "Eu confesso que depois do PT de Minas aprovar - municipal, estadual - e depois da convenção aprovar, eu acho que a direção nacional do partido poderia tranquilamente apenas ter confirmado tudo o que aconteceu. Se tivesse que fazer uma repreensão ao Pimentel, que a fizesse em segredo, porque o jogo estava sendo feito à luz do dia, todo mundo sabia o que estava acontecendo em Minas Gerais".

A guerra dos petistas de Minas acabou conflagrando a pré-disputa pelo governo do Estado em 2010, que, apenas na base lulista, tem Pimentel, Hélio Costa e Patrus como candidatos. Dos três, o ministro das Comunicações é o que mais tem-se movimentado para montar sua base de prefeitos nessa campanha.

No campo petista, a aposta do grupo de Pimentel é que a disputa pelo comando do PT, em 2009, acabe minguando o poder de seus adversários locais no partido. Por esse raciocínio, o PT estaria dividido hoje entre aqueles que querem entregar a Lula o comando de sua sucessão, grupo em que estaria o prefeito de Belo Horizonte, e aqueles que vêem necessidade de o partido ter voz mais ativa no processo.

Na última eleição do PT, os grupos que não são automaticamente alinhados ao presidente avançaram numa conjuntura marcada pelo dossiê contra Serra, cuja produção envolveu próximos a Lula, carinhosamente chamados por ele de aloprados.

A expectativa dos grupos mais lulistas é de retomada majoritária do partido em 2009. Pelo tempo que separa a operação Satiagraha da sucessão petista é difícil imaginar relação de causa e feito, mas não terá sido a primeira vez que a Polícia Federal afeta uma disputa interna no partido. A diferença é que, na primeira vez, no caso do dossiê, o ministro da Justiça, a quem a PF deveria estar subordinada, não era filiado ao PT.

Com as cartas embaralhadas no petismo, cresce a chance de Lula, pela primeira vez, tirar da cartola o presidente que conduzirá o partido na escolha de seu sucessor. E a partir daí demarcar a distância que o separa do PSDB.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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