Lauro Lisboa Garcia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
É como Caetano Veloso define o show de divulgação do disco Zii e Zie, na comparação com a turnê anterior, do álbum Cê
A seguir a continuação da entrevista com Caetano Veloso, em que ele fala sobre as críticas ao novo álbum ("Não sinto as reações a Zii e Zie) , reforça sua repulsa às drogas ("por mim mesmo, só o álcool"), fala de velhice, Wilson Simonal e o novo livro de Chico Buarque ("O tamanho das frases tem uma quase regularidade agradável, elegante, sonora - e isso vem do trato dele com a canção").
No ano passado, você reagiu duramente contra dois jornalistas de São Paulo por causa das críticas ao seu encontro com Roberto Carlos em homenagem Tom Jobim. As críticas a Zii e Zie também não foram muito entusiasmadas, tanto no Brasil como em outros países, como Portugal. Ao mesmo tempo, os elogios são fartos à banda, e no blog você declarou ter feito o álbum pensando na banda. Que resposta você daria a essas críticas?
Não sinto as reações a Zii e Zie. Não consigo dar importância. As canções circulam na internet desde 2008, todas. Ninguém as conheceu agora. Não concordo com as frases lusitanas que você cita. Mas acharia perfeitamente satisfatório se o disco fosse apenas um bom veículo para a banda mostrar que é boa. Acho Lobão Tem Razão, Lapa, Por Quem e Perdeu canções lindas. E Base de Guatánamo é feita de uma só frase emocionantemente intuída. Não preciso que ninguém concorde com isso. Nem li as críticas todas que saíram no Brasil. Gostei do cara que escreveu dizendo que estamos com síndrome de segundo disco. Não apareceu nada em minha cabeça nem no meu coração que me desse vontade de comentar as poucas coisas que li. Além do mais, aqui não tem Roberto Carlos. Nem eu mantenho blog para ficar escrevendo meias-brincadeiras quase todo dia.
Circulam pela internet frases que você teria dito à revista Poder sobre drogas e mais especificamente sobre cocaína. "Não gosto de drogas. Odeio cocaína. Tudo: odeio a maneira como as pessoas aspiram, odeio o fedor do corpo de quem cheira. Odeio a cultura de economia paralela ilegal que cresceu por causa do consumo da cocaína", são as frases. Você sempre pensou dessa maneira a respeito de drogas?
Sim. Sempre odiei a cocaína. E apenas tolerei o uso de drogas por outras pessoas, mesmo o álcool. Por mim mesmo, só o álcool. Mas nunca me habituei a beber todos os dias. Vinho me faz mal já no meio da primeira taça. E odeio champanhe. Já gostei de vodca e de sakê. Gosto de cerveja mas só bebo na terça-feira de carnaval.
Continuando no tema, recentemente houve mais uma Marcha da Maconha em várias cidades de diversos países. No Rio, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, esteve entre os participantes. O que acha de manifestações desse tipo? Legalizar é a solução?
Eu jamais participaria de uma marcha dessas. Sempre fui pela legalização total de todas as drogas, contra o comércio paralelo, o crime organizado nos moldes da época da lei seca nos Estados Unidos. Mas a visão de crianças e mulheres esquálidas nas ruas do centro das nossas cidades por causa do crack me faz recuar até dessa posição tão sensata. Sempre houve e há drogados. O ser humano precisa mudar sua sensação de estar no mundo. Não é só para aplacar a dor. É a curiosidade da criança que roda até ficar tonta: ela tem um pouco de medo, não é só prazer, mas é descoberta. A destrutividade de certas drogas e da economia que as acompanha me leva a olhar sem muita receptividade para esse aspecto da liberdade humana. Idealmente, drogas legais, pagando imposto alto e desestimulada pela educação e pela propaganda pública seria o certo. Mas não vivemos num mundo ideal.
Outro tema que você tem abordado é em relação à velhice, no seu caso, ''a infância da velhice''. Aproveitando que há uma relação entre o processo de criação de Zii e Zie e Velô, lembro que naquele álbum de 1984 havia uma canção chamada O Homem Velho. Hoje você se vê refletido naquela letra? O que ou como é ter ''coragem de saber que é imortal"?
O Homem Velho estava no repertório do show Cê (e recebeu observação profunda e emocionada do crítico do New York Times). Somos todos imortais. Um analista que eu tive, chamado Rubens Molina, me disse isso uma vez numa sessão e eu logo entendi. Meu atual analista, MD Magno, pensa assim também. Para o eu não há morte. Eu era angustiado com a morte quando era jovem. Hoje sou bem menos. Meio que não ligo mais. No show de Zii e Zie não precisa mais estar aquela canção. Ao contrário, músicas doces chegam bem e fazem o show ter um sentido amplo, profundo e comovente. É um show mais histórico, mais político, mais abrangente - o Cê era muito eu comigo mesmo e em poucas palavras, muito anglo-saxão. Este agora é Brasil no mundo, mundo no Brasil, nós na fita, Psirico e Aracy de Almeida. Começa com Viva Paulinho da Viola e termina com Viva Roberto Carlos. Tem Mário Reis e Kassin. Muitas vezes tenho de me controlar para não chorar.
Tem plano de escrever outro livro? Algo em relação a cinema?
Assim, em meio a excursão é que não penso mesmo em fazer planos de outra natureza que não musical. Mas gosto de escrever e sempre sonho em fazer outros filmes.
Já teve tempo de ler Leite Derramado, de Chico Buarque? Se leu, o que achou?
Sim. Gostei muito. O texto de Chico é sempre muito bonito. Adorei não haver parágrafos, como em Panamérica, de Zé Agrippino de Paula. A fabulação equívoca do velho que repete, muda, esquece, confunde prende o leitor. Há o parentesco com Dom Casmurro, na dúvida sobre a mulher. Mas parece ser de outra natureza: algo muito preciso aconteceu àquela mulher e apenas não está explicitado no romance. Permanece a impressão de que Budapeste é, até agora, o mais bem estruturado dos romances da maturidade de Chico. Mas esse agora ainda é novo. E é bonito demais. O tamanho das frases tem uma quase regularidade agradável, elegante, sonora - e isso vem do trato dele com a canção.
Serviço
Caetano Veloso. Credicard Hall (3.800 lugs.). Avenida das Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro, tel. 2846-6000. 6.ª e sáb., às 22h. R$ 40 a R$ 180
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
É como Caetano Veloso define o show de divulgação do disco Zii e Zie, na comparação com a turnê anterior, do álbum Cê
A seguir a continuação da entrevista com Caetano Veloso, em que ele fala sobre as críticas ao novo álbum ("Não sinto as reações a Zii e Zie) , reforça sua repulsa às drogas ("por mim mesmo, só o álcool"), fala de velhice, Wilson Simonal e o novo livro de Chico Buarque ("O tamanho das frases tem uma quase regularidade agradável, elegante, sonora - e isso vem do trato dele com a canção").
No ano passado, você reagiu duramente contra dois jornalistas de São Paulo por causa das críticas ao seu encontro com Roberto Carlos em homenagem Tom Jobim. As críticas a Zii e Zie também não foram muito entusiasmadas, tanto no Brasil como em outros países, como Portugal. Ao mesmo tempo, os elogios são fartos à banda, e no blog você declarou ter feito o álbum pensando na banda. Que resposta você daria a essas críticas?
Não sinto as reações a Zii e Zie. Não consigo dar importância. As canções circulam na internet desde 2008, todas. Ninguém as conheceu agora. Não concordo com as frases lusitanas que você cita. Mas acharia perfeitamente satisfatório se o disco fosse apenas um bom veículo para a banda mostrar que é boa. Acho Lobão Tem Razão, Lapa, Por Quem e Perdeu canções lindas. E Base de Guatánamo é feita de uma só frase emocionantemente intuída. Não preciso que ninguém concorde com isso. Nem li as críticas todas que saíram no Brasil. Gostei do cara que escreveu dizendo que estamos com síndrome de segundo disco. Não apareceu nada em minha cabeça nem no meu coração que me desse vontade de comentar as poucas coisas que li. Além do mais, aqui não tem Roberto Carlos. Nem eu mantenho blog para ficar escrevendo meias-brincadeiras quase todo dia.
Circulam pela internet frases que você teria dito à revista Poder sobre drogas e mais especificamente sobre cocaína. "Não gosto de drogas. Odeio cocaína. Tudo: odeio a maneira como as pessoas aspiram, odeio o fedor do corpo de quem cheira. Odeio a cultura de economia paralela ilegal que cresceu por causa do consumo da cocaína", são as frases. Você sempre pensou dessa maneira a respeito de drogas?
Sim. Sempre odiei a cocaína. E apenas tolerei o uso de drogas por outras pessoas, mesmo o álcool. Por mim mesmo, só o álcool. Mas nunca me habituei a beber todos os dias. Vinho me faz mal já no meio da primeira taça. E odeio champanhe. Já gostei de vodca e de sakê. Gosto de cerveja mas só bebo na terça-feira de carnaval.
Continuando no tema, recentemente houve mais uma Marcha da Maconha em várias cidades de diversos países. No Rio, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, esteve entre os participantes. O que acha de manifestações desse tipo? Legalizar é a solução?
Eu jamais participaria de uma marcha dessas. Sempre fui pela legalização total de todas as drogas, contra o comércio paralelo, o crime organizado nos moldes da época da lei seca nos Estados Unidos. Mas a visão de crianças e mulheres esquálidas nas ruas do centro das nossas cidades por causa do crack me faz recuar até dessa posição tão sensata. Sempre houve e há drogados. O ser humano precisa mudar sua sensação de estar no mundo. Não é só para aplacar a dor. É a curiosidade da criança que roda até ficar tonta: ela tem um pouco de medo, não é só prazer, mas é descoberta. A destrutividade de certas drogas e da economia que as acompanha me leva a olhar sem muita receptividade para esse aspecto da liberdade humana. Idealmente, drogas legais, pagando imposto alto e desestimulada pela educação e pela propaganda pública seria o certo. Mas não vivemos num mundo ideal.
Outro tema que você tem abordado é em relação à velhice, no seu caso, ''a infância da velhice''. Aproveitando que há uma relação entre o processo de criação de Zii e Zie e Velô, lembro que naquele álbum de 1984 havia uma canção chamada O Homem Velho. Hoje você se vê refletido naquela letra? O que ou como é ter ''coragem de saber que é imortal"?
O Homem Velho estava no repertório do show Cê (e recebeu observação profunda e emocionada do crítico do New York Times). Somos todos imortais. Um analista que eu tive, chamado Rubens Molina, me disse isso uma vez numa sessão e eu logo entendi. Meu atual analista, MD Magno, pensa assim também. Para o eu não há morte. Eu era angustiado com a morte quando era jovem. Hoje sou bem menos. Meio que não ligo mais. No show de Zii e Zie não precisa mais estar aquela canção. Ao contrário, músicas doces chegam bem e fazem o show ter um sentido amplo, profundo e comovente. É um show mais histórico, mais político, mais abrangente - o Cê era muito eu comigo mesmo e em poucas palavras, muito anglo-saxão. Este agora é Brasil no mundo, mundo no Brasil, nós na fita, Psirico e Aracy de Almeida. Começa com Viva Paulinho da Viola e termina com Viva Roberto Carlos. Tem Mário Reis e Kassin. Muitas vezes tenho de me controlar para não chorar.
Tem plano de escrever outro livro? Algo em relação a cinema?
Assim, em meio a excursão é que não penso mesmo em fazer planos de outra natureza que não musical. Mas gosto de escrever e sempre sonho em fazer outros filmes.
Já teve tempo de ler Leite Derramado, de Chico Buarque? Se leu, o que achou?
Sim. Gostei muito. O texto de Chico é sempre muito bonito. Adorei não haver parágrafos, como em Panamérica, de Zé Agrippino de Paula. A fabulação equívoca do velho que repete, muda, esquece, confunde prende o leitor. Há o parentesco com Dom Casmurro, na dúvida sobre a mulher. Mas parece ser de outra natureza: algo muito preciso aconteceu àquela mulher e apenas não está explicitado no romance. Permanece a impressão de que Budapeste é, até agora, o mais bem estruturado dos romances da maturidade de Chico. Mas esse agora ainda é novo. E é bonito demais. O tamanho das frases tem uma quase regularidade agradável, elegante, sonora - e isso vem do trato dele com a canção.
Serviço
Caetano Veloso. Credicard Hall (3.800 lugs.). Avenida das Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro, tel. 2846-6000. 6.ª e sáb., às 22h. R$ 40 a R$ 180
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