quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Região inquieta:: Merval Pereira

Encerrado ontem o segundo turno da primeira de três fases das eleições parlamentares, o Egito se vê diante de uma realidade política inesperada: os partidos islâmicos começaram o processo eleitoral recebendo cerca de 60% dos votos, proporção que deve ser confirmada nas próximas etapas, mesmo com uma participação menor do eleitorado.

O fato de o partido Al-Nour, líder do bloco ultraconservador salafista ter recebido cerca de 25% dos votos foi mais surpreendente que a votação do Partido Justiça e Liberdade, braço político da Irmandade Muçulmana, já previsto como o favorito das eleições.

O que se esperava, no entanto, é que os liberais ficariam em segundo lugar e poderiam compor um governo de coalizão com PJL, colocando em minoria os salafistas radicais, como aconteceu, por exemplo, na Tunísia, onde os salafistas tiveram baixa votação e procuram ganhar influência política na Constituinte através de ações radicais nas ruas e nas universidades.

O partido islâmico moderado Ennahda, que saiu vitorioso na eleição tunisiana, comanda os trabalhos da Constituinte tendo que fazer acordos com os partidos moderados, e não tem força política para impor suas decisões, mesmo tendo sido o mais votado.

Ao contrário, o partido da Irmandade Muçulmana no Egito teve uma votação que lhe dá amplo domínio de uma futura coligação partidária - se a votação de cerca de 40% for confirmada nas próximas etapas -, não havendo necessidade de buscar o apoio dos salafistas, dos quais até o momento o PJL procura se afastar publicamente.

O receio dos meios políticos não apenas egípcios, mas de toda a região, é que a Irmandade Muçulmana acabe fazendo um acordo com os salafistas, relegando a segundo plano os liberais e moderados.

Com cerca de 60% ou mais do futuro Congresso, os islâmicos poderiam montar um governo que seria o contrário dos ideais democráticos que mobilizaram as massas da Praça Tahir e derrubaram o governo Mubarak.

Aliás, os partidos islâmicos que venceram as eleições no Marrocos, na Tunísia e no Egito, por mais moderados que sejam, não estiveram à frente dos movimentos populares da Primavera Árabe, mas tiveram organização para se mobilizar na campanha eleitoral e se impor nas urnas, oportunidade que lhes foi dada pela democracia laica que se pretende implantar na região, e que eles podem vir a ameaçar.

Os analistas do islamismo político advertem que a unidade que demonstravam nos anos em que foram reprimidos pelos governos ditatoriais da região não existe na realidade.

De fato, eles atuam em várias correntes: o nacional-islamismo das Irmandades Muçulmanas, espalhadas por todo o mundo árabe e muito fortemente entranhada na população, em especial no Egito, como indicam os resultados eleitorais de um partido que estava na clandestinidade há anos; o movimento salafista, ultraconservador, que por sua vez se divide em correntes que não querem fazer política eleitoral; os reformistas que querem participar da política partidária, e o dijhaistas, a corrente mais radicalizada.

Os Estados Unidos e Israel acompanham com cautela os acontecimentos do Egito, país que irradia sua influência na região.

O temor é que os salafistas, em uma aliança política com a Irmandade Muçulmana, consigam impor alguns de seus conceitos com respeito aos direitos humanos, especialmente às mulheres.

Caso isso venha a acontecer, o retrocesso pode se alastrar por toda a região, dando força política mesmo às correntes minoritárias como as da Tunísia, que não tiveram resultado eleitoral expressivo, mas tentam impor nas discussões da Constituinte temas como a separação de homens e mulheres nas universidade.

A influência dos salafistas, por exemplo, está fazendo com que os cristãos coptas temam por seu futuro no Egito. Nesta terça-feira mesmo, o jornal estatal egípcio Al-Ahram publicou uma entrevista com Yasser Burhami, líder do Chamado Salafista, grupo de onde saiu o partido Al-Nour, dizendo que só aceitaria que os coptas (cristãos) concorressem a cargos públicos se "Estados Unidos, Reino Unido e Israel" aceitassem presidentes muçulmanos.

O governo salafista também proibiria que bancos cobrassem juros e imporia regras para turistas, proibindo nudez e álcool.

Embora seja improvável que esse grupo tenha condições de impor tais ideias em um futuro governo egípcio, especialmente devido às pressões do Ocidente, o radicalismo pode fazer com que as Forças Armadas, que no momento detêm o poder no Egito e não dão mostras de querer abrir mão de seus privilégios, encontrem justificativas para controlar as rédeas políticas, terminando com o sonho democrático da Primavera Árabe.

Na Tunísia, as Forças Armadas estão completamente fora do poder, assumindo suas funções constitucionais, e esse perigo praticamente não existe.

Para colocar mais lenha ainda na fogueira, há análises militares que temem um conflito armado na região com base em recentes atitudes de governantes de Israel e da Síria.

Apesar de pressionada pela Liga Árabe e pela ONU, a Síria dá mostras de resistência militar, e fez no último dia 3 manobras militares ao Sul de Palmira, testando mísseis de longo alcance "para confrontar possíveis ataques", de acordo com nota oficial.

Vinte e quatro horas depois, o primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, em uma homenagem em memória do fundador de Israel, David Ben-Gurion, disse uma frase que para muitos quer dizer que Israel se prepara para a guerra com o Irã, embora ele não tenha sido direto.

Garantiu que Israel sempre terá a "coragem" para tomar as decisões certas para "salvaguardar nosso futuro e segurança".

Num movimento político de surpresa, ele anunciou que seu partido, o Likud, fará eleições antes de janeiro próximo, dois anos antes do marcado.

Como Netanyahu não está sob pressão interna nem da opinião pública, a interpretação é que de ele quer dar uma demonstração de força política para respaldar uma decisão dramática para compensar uma eventual falta de apoio dos Estados Unidos.

Para completar o quadro, há informações de que tanto Estados Unidos quanto Rússia têm uma anormal força naval próxima a Síria e ao Irã.

FONTE: O GLOBO

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