O método Dilma de fazer nomeações dos
integrantes de colegiados ou de atuar em questões que exijam escolha é lento e
pouco compreendido até pelos próximos que melhor a conhecem. A presidente dá
tempo ao tempo e, com isso, margem às disputas, contestações, lobbies,
multiplicação de candidaturas àquela função. Quando do colegiado exige-se a
condição de equilibrio e isenção entre forças conflitantes, a demora nas
indicações dificulta e até pode anular a possibilidade de atingir seu objetivo.
A vítima do temperamento, nesse momento, é a
Comissão da Verdade. Diz-se que os seus integrantes serão designados até o fim
deste mês, mas já ficou tarde. A protelação sem fim fez o terreno
desnecessariamente pantanoso. Com a demora, os que dela querem participar
aumentaram as pressões sobre a decisão presidencial. Como não há um critério
pré-estabelecido conhecido de todos, o lobby é livre e a presidente pode, com a
aceitação das candidaturas propostas na pressão, anular a condição de isenção
que se exige do grupo e transferir para o seu interior as disputas que existem
fora do colegiado e foram a razão de sua criação.
Querem participar da Comissão da Verdade e
pressionam a presidente representantes de organizações não governamentais de
áreas afins aos direitos humanos, representantes das famílias dos que sofreram
a ação da repressão, representantes dos militares que reprimiram os grupos
políticos e das suas famílias, do Ministério Público, além de militantes de
causas diversas.
À Comissão da Verdade juntam-se mensalão e
eleição
Se nomear um de cada um dos lado em litígio,
a presidente coloca na Comissão da Verdade o conflito que a motivou. Pode se
transformar o colegiado na arena de lutas entre as forças que disputam a
prerrogativa da razão desde que o Brasil transpôs a ditadura.
Quem poderia, estando fora dos grupos com
interesse nas decisões, atuar com isenção em um colegiado desse tipo, é o
exercício de procura que se faz entre aliados da presidente. Um colaborador do
governo comenta que, antes de se chegar ao estágio atual, Dilma teve as
condições ideais para escolher pessoas capazes de levar adiante a empreitada de
forma mais independente.
Poderia recusar, por exemplo, quem vê na
Comissão da Verdade uma oportunidade para construir biografia. A comissão
precisa ser integrada por quem já tem biografia, define um aliado de Dilma.
Muitos dos candidatos ou dos nomes que têm
sido indicados pelas corporações ao Planalto têm essa característica. Tivesse a
presidente tomado as decisões tempestivamente, teria dado menos tempo à
construção desses caminhos sem volta.
A presidente sempre poderá alegar que ainda
não escolheu os integrantes da Comissão da Verdade e que, ao fazê-lo, e o
último prazo citado é o fim deste mês, vai fugir das pressões. Que seus
critérios serão exatamente os do equilíbrio, da isenção, poderá ter uma lista
de historiadores, acadêmicos e profissionais já prontos e donos do seu perfil
sobre cujos nomes não haverá possibilidade de questionamentos. Mas a demora a
fez perder as condições ideais para esse tipo de nomeação. Ainda poderá
fazê-lo, mas num enfrentamento.
Mesmo se optar por quem já tem biografia ou
não pertence às corporações envolvidas, a presidente dificilmente conseguirá
fugir de um outro complicador resultante da lentidão na tomada de decisões: a
coincidência com outros eventos políticos de grande complexidade, inclusive
para o governo. É o caso da Comissão Parlamentar de Inquérito que vai
investigar ligações de parlamentares, governadores de Estado e funcionários do
governo, de diferentes partidos, com o contraventor Carlos Cachoeira. Um
segundo elemento complicador é o julgamento do mensalão, que atingirá
diretamente o partido do governo e boa parte do próprio governo. E as eleições
municipais.
Deputados e senadores precisam eleger
prefeitos para conseguirem renovar seus próprios mandatos em 2014. As campanhas
serão afetadas pelas apurações da CPI do Congresso que terá seu trabalho
misturado, como previu o presidente do PT, ao mensalão. Este afetará o partido
majoritário do governo e até pessoas cuja história pode estar considerada na
agenda da Comissão da Verdade. Uma ciranda explosiva.
Pelo visto até aqui, a CPI que vai investigar
as ligações de parlamentares, governadores, empresários e funcionários do
governo, ligados a diferentes partidos, com o contraventor Carlos Cachoeira,
está pendendo mais para o lado da CPI da vingança, destinada a desmascarar o
que o presidente do PT chamou de a farsa do mensalão. Todos os experientes
líderes governistas ficaram de fora dos trabalhos e com a missão de agitar os
assuntos de interesse do governo no Senado e na Câmara. A CPI, onde têm assento
governistas como o ex-presidente Fernando Collor, que em 20 anos passou de réu
a respeitado juiz; um presidente e um relator afinados com a cúpula do PMDB e a
cúpula do PT, em especial o PT que pretendia misturar os trabalhos aos destinos
do mensalão, pode realmente dar seus trabalhos por concluídos logo que pegar os
oposicionistas flagrados nesse latifúndio de irregularidades. No momento o
perfil é de uma CPI circunscrita.
Não demorou para se confirmarem as previsões
feitas à época da discussão sobre o terceiro mandato consecutivo para o
ex-presidente Lula. Ele gostaria, mas não forçaria mudança constitucional para
atingir seu objetivo. A próxima sucessão estaria bem perto, em 2014. Colocaria
em seu lugar, para os quatro anos de interregno, alguém que pudesse ser-lhe
fiel ao ponto de não buscar a reeleição. O resto ficaria por conta do eleitor e
o fenômeno do apelo à volta. A pesquisa Datafolha publicada domingo, em que 57%
querem a volta de Lula em 2014 contra apenas 32% que escolhem Dilma é o início
da voz rouca do queremismo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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