O "milagre econômico inglês", que
deu origem ao capitalismo moderno, começou no século XVII, muito antes da
chamada "revolução industrial". De forma aproximada, se pode dizer
que seu início ocorreu entre a "República de Cromwell" (1649-1659) e
o reinado de Guilherme III, o "rei holandês", que governou a
Inglaterra entre 1689 e 1702. Cromwell aumentou o poder naval da Inglaterra,
fez guerra e venceu a Holanda (1652-1654) e a Espanha (1654-1660), as duas
grandes potências marítimas do século XVII, e conquistou a ilha da Jamaica, em
1655, criando a primeira colônia do futuro Império Britânico. Além disso,
Cromwell editou, em 1651, o 1º Ato da Navegação, que fechou os portos ingleses
aos navios estrangeiros e se transformou no primeiro ato mercantilista
agressivo da Inglaterra, fechando as fronteiras de sua economia nacional.
Três décadas depois, Guilherme III enfrentou
e venceu a França na Guerra dos 9 Anos (1688-1697), iniciou a Guerra da
Sucessão Espanhola (1702-1712) e conquistou e submeteu Irlanda e Escócia. Ao
mesmo tempo, no campo econômico, promoveu uma "fusão revolucionária"
das instituições financeiras holandesas - que eram mais avançadas - com as
finanças inglesas, criando o Banco da Inglaterra e um novo sistema de
financiamento da dívida pública inglesa, atrelado à bolsa de valores e ao
sistema de crédito da banca privada. Uma "revolução financeira" que
deu à Inglaterra um poder de fogo econômico e militar - em qualquer lugar do
mundo - muito superior ao das demais potências europeias.
Foi nesse período que William Petty
(1623-1687) - o pai da economia política clássica - escreveu dois ensaios que
revolucionaram o pensamento econômico do século XVII: o "Tratado sobre
Impostos e Contribuições", publicado em 1662, e a "Aritmética
Política", publicado depois da sua morte, em 1690. No momento em que Petty
publicou sua obra, a Inglaterra ainda era uma potência de segunda ordem e se
sentia cercada pela Holanda, Espanha e França. Essa era sua preocupação
fundamental, quando formulou o conceito de "excedente econômico", e
estabeleceu uma relação direta entre o tamanho desse "excedente" e o
poder internacional de cada país.
O que Petty não propôs nem previu, foi que a
Inglaterra virasse uma potência agressiva, e que seu expansionismo se
transformasse num motor fundamental para o próprio crescimento do
"excedente interno" da economia inglesa, consagrando uma estratégia
desenvolvimentista pioneira na história do capitalismo.
Basta dizer que a Inglaterra participou de
110 guerras - entre 1650 e 1950 - dentro e fora da Europa, e financiou esse seu
expansionismo bélico, depois da "revolução financeira" de 1690, com a
sua "dívida pública" que cresceu de 17 milhões de libras em 1690,
para 700 milhões em 1800, sem perder, em nenhum momento, a sua
"credibilidade" nacional e internacional.
Resumindo e apressando a história, já é
possível identificar alguns traços fundamentais e específicos desse
"desenvolvimentismo inglês":
1) O desenvolvimento inglês foi ligado
umbilicalmente à expansão do poder internacional da Inglaterra, e essa expansão
foi muito importante para o aumento da "produtividade" e do "excedente"
da economia inglesa.
2) Nesse contexto, pode se entender porque as
guerras e a "preparação para a guerra" ocuparam um lugar tão
importante no desenho estratégico do desenvolvimentismo do estado e dos
capitais ingleses.
3) O expansionismo inglês nunca foi liderado
pela indústria ou pela burguesia industrial, e sim pelas suas elites ligadas à
terra, às armas e às finanças.
4) A estratégia de desenvolvimento da
Inglaterra seguiu sendo basicamente a mesma, antes e depois da crítica ao
mercantilismo, da economia política clássica, e também, antes e depois da
"revolução industrial".
5) O próprio protecionismo de Cromwell se
manteve até o século XIX, e só foi abandonado depois que a Inglaterra já era a
maior potência militar e econômica mundial.
6) A finança, a dívida pública e a imposição
progressiva da libra como moeda do "território econômico
supranacional" da Inglaterra, foram os principais instrumentos de poder
responsáveis pelo sucesso internacional do capitalismo inglês.
7) Por fim, o desenvolvimentismo inglês não
teria sido o mesmo sem a complementaridade dos EUA, que foi sua principal
fronteira de expansão financeira, e depois se transformou no herdeiro direto
desse mesmo modelo inglês de desenvolvimento e expansionismo contínuo.
Agora bem: esse "desenvolvimentismo
inglês" é o único caminho possível de sucesso? Não. Ele pode ser seguido
por qualquer país? Também não. De qualquer forma, o importante é entender que
este foi o caminho seguido pelas duas maiores potências liberais da economia
capitalista internacional.
(Vide:
P.J. Cain and A.G. Hopkins, "British Imperialism, 1688-2000",
Longman, London, 2001)
José Luís Fiori é professor titular do
Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor
do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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