Caio Junqueira
BELÉM - Após oito anos de sua fundação por um grupo de petistas
insatisfeitos com os rumos do partido e do governo do então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o PSOL, pela primeira vez tem chances reais de conquistar
sua primeira eleição para um cargo executivo com Edmilson Rodrigues, em Belém.
No entanto, a campanha que o coloca como líder isolado e com chances reais de
vencer em primeiro turno é inevitavelmente feita toda à sombra do PT.
A começar pelo próprio candidato, que governou o município pela ex-sigla
entre 1997 e 2004. Arquiteto de formação com mestrado em planejamento do
desenvolvimento e doutorado em geografia urbana, Edmilson construiu sua
carreira como um dos principais quadros dirigentes da esquerda do PT, com longa
trajetória no Legislativo estadual. Sempre integrou a tendência minoritária
petista Força Socialista e por ela se elegeu prefeito no segundo turno, em
1996, reeleito quatro anos depois. Apesar de não ter feito o sucessor, deixou o
governo com alta taxa de aprovação.
Em razão disso, seu discurso hoje é todo na defesa do legado de sua gestão,
baseada em bandeiras históricas do petismo de então: Banco do Povo, Bolsa
Escola, Orçamento Participativo, coleta seletiva, atendimento domiciliar de
saúde, centros culturais e revitalização da cidade. Tanto que o vermelho
petista suplantou o amarelo do PSOL no seu material de campanha, assim como
toda a coordenação de campanha é oriunda da antiga legenda e mantém o vocativo "companheiro"
no trato entre si.
A coordenação-geral é feita pela ex-deputada estadual petista Araceli Lemos,
que centraliza com mãos de ferro as ações de campanha e a agenda do candidato.
O candidato a vice é do PCdoB e foi subchefe da Casa Civil no governo Ana Júlia
(PT). O mesmo que teve como homem forte na Casa Civil o auditor fiscal Charles
Alcântara, atual presidente da seção paraense do Sindicato nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Ele é responsável pela
arrecadação financeira de Edmilson.
Nesse aspecto, aliás, aparece outra semelhança com campanhas petistas. O
PSOL lidera o ranking das doações na cidade, de acordo com a segunda parcial de
prestações de contas divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Arrecadou R$ 476,3 mil, o que o coloca à frente de todos os outros nove
candidatos - é, ao lado de Fortaleza, a segunda capital com maior número de
postulantes. Só perdem para São Paulo.
Isso mesmo sem aceitar doações de grandes empresas, como as mineradoras que
exploram o rico solo paraense. Com R$ 160 mil, a maior doação da campanha vem
de uma empresa de Salvador chamada Cogep Construções e Gestão Ambiental, que
prestou serviços à Prefeitura de Belém quando Edmilson era prefeito, pelo PT.
Entretanto, como ocorre na maioria das campanhas país afora, o ranking dos
que mais arrecadaram de certo modo obedece às intenções de voto. Na última
pesquisa Ibope divulgada no dia 22 de setembro, Edmilson aparece com 38%,
seguido por Zenaldo Coutinho (PSDB), com 20%; Priante (PMDB), 16%; Jefferson
Lima (PP), 8%; e Anivaldo Vale (PR) e Arnaldo Jordy (PPS) com 5%.
O deputado estadual Alfredo Costa (PT) patina em 2%, isso dois anos após Ana
Júlia (PT) deixar o governo do Estado e dez anos depois de o partido assumir o
Palácio do Planalto. O índice, porém, está diretamente relacionado ao sucesso
da campanha do PSOL. A avaliação é de que o eleitor petista da cidade migrou em
massa para a campanha de Edmilson, influenciado por diversos motivos. Em nível
federal, o julgamento do processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) e a iminente condenação do maior quadro do partido no Estado, o
ex-deputado Paulo Rocha. No Estado, a memória do desastre político do governo
Ana Júlia que culminou com sua derrota em 2010. E no aspecto local, uma intensa
disputa entre as correntes internas da legenda e a escolha de um nome
desconhecido da população, que assumiu o cargo na Assembleia Legislativa após a
cassação do mandato do correligionário Chico da Pesca por crimes contra
administração pública.
Diante disso, o PT muda praticamente toda semana sua estratégia de campanha
em Belém. Começou vinculando a imagem do seu candidato a Lula e à presidente
Dilma Rousseff. Depois, partiu para o enfrentamento com Edmilson, na tentativa
de resgatar o eleitor petista que lhe fora tirado pelo PSOL. Não adiantou.
Agora, tenta atrelar programas do governo federal, mas o clima já é de derrota.
"A maior parte do nosso eleitor e nossos simpatizantes está com o
Edmilson. Setores que tradicionalmente votam com a gente, como a Igreja, a
juventude universitária, a academia, têm declarado voto no PSOL. Nosso trabalho
é reverter isso até a eleição", disse Paulo Rocha, presidente de honra do
PT no Estado.
Para os adversários, a liderança de Edmilson é positiva, pois ele é
considerado o adversário mais fácil de ser batido no segundo turno a partir da
união das candidaturas à direita de seu espectro político. A própria campanha
do PSOL tem a dimensão desse problema, tanto que ali só se fala em vencer no
primeiro turno.
"Temos todas as condições de matar essa parada no dia 7", afirmou
Edmilson no evento que lançou seu programa de governo. Antes, citou o geógrafo
Milton Santos para fazer alusão aos possíveis adversários em um eventual
segundo turno: "Eles têm a capacidade de confundir os espíritos. Eles têm
o poder do convencimento. É um desafio enorme". No mesmo discurso, que
durou quase uma hora, outras citações foram feitas, desde a ex-ministra do Meio
Ambiente Marina Silva até o sociólogo Florestan Fernandes e o jornalista espanhol
Inácio Ramonet. Todas tendo como elemento central a promessa da busca do
socialismo em sua gestão.
As críticas em seu discurso abordam o "padrão de acumulação
capitalista" e a "lógica do lucro". Há menções à "crise
humana causada pelo fato de tudo hoje ter virado mercadoria".
Prognósticos, como "daqui a pouco vão privatizar o oxigênio" e a
"um novo patamar da história em que o povo comandará". E
justificativas pela rejeição a certos doadores: "Não quero nenhuma
multinacional bandida para nos financiar".
Por outro lado, a oposição que seu partido faz em nível nacional é diminuída
na campanha. As críticas a Lula, por exemplo, não aparecem na propaganda de
televisão. A eleição presidencial de 1989, em que Lula perdeu para Fernando
Collor (PRN) é avaliada como "um vitória na derrota". Ao Valor,
contudo, Edmilson faz sua avaliação do ex-presidente e de seu governo. "O
governo Lula impôs uma modernização que o PT sempre criticou. Mas Lula
preservou a cara do PT à sua imagem e semelhança e ajudou o PT a se manter como
um partido de massa", disse.
Toda a campanha do PSOL contesta a avaliação de que ele lidera à sombra de
sua trajetória no antigo partido. Na avaliação do candidato, "o PSOL se
constitui como uma referência ética, democrática e programática e por isso
parte do militante do PT migra para nosso partido". A presidente estadual
do PSOL, Marinor Brito, declarou que "O PT não é responsável pelo nosso
sucesso, pois os militantes acompanham nossa trajetória e sabem que foi o PT
que mudou, não nós". Para Araceli Lemos, "o sucesso de sua gestão
anterior faz com que Edmílson extrapole a questão partidária". Jurandir
Novaes, coordenadora do programa de governo, também ex-petista, afirma que
"mesmo quando prefeito, Edmílson já questionava o tradicional modo petista
de governar e propunha mudanças, como a radicalização democrática".
É nesse campo que aparece uma das principais propostas do "comandante
cabano", como também é chamado pelos apoiadores -uma referência à
Cabanagem, uma das mais sangrentas revoltas sociais da história do Pará e do
país. Trata-se do "Congresso da Cidade", uma reformulação do
Orçamento Participativo no qual distritos da cidade e segmentos da sociedade
interferem nas políticas públicas. Além do alegado "protagonismo
popular" que a medida promete estabelecer, paralelamente o dispositivo tem
o efeito de amenizar a minoria legislativa com que Edmílson trabalhou nos seus
dois mandatos anteriores.
Com apenas três partidos na coligação (PSOL, PCdoB e PSTU), Edmilson
pretende levar a população à Câmara nas principais votações. Isso ajuda a
explicar a aliança com o PSTU, que tem ampla representação sindical na cidade.
"Se for necessário, colocaremos 10, 20 ônibus para levar os trabalhadores
para dentro da Câmara. É a constituição de uma maioria por baixo", avalia
Cleber Rabelo, dirigente da sigla.
Por ser o adversário preferido em um segundo turno, a liderança nas
pesquisas e o rol de propostas que o tornam o candidato mais diferente na
disputa não são suficientes para torná-lo alvo. Isso, de certo modo, torna a
campanha em Belém morna, uma vez que os candidatos que disputam a segunda vaga
no eventual segundo turno evitam agressividade entre si, pois pretendem se
juntar contra ele após 7 de outubro.
"Trabalho para ganhar a eleição com uma campanha propositiva. Não ataco
pessoas. Quero construir uma união primeiro com o povo, mas também com forças
institucionais. Então vou trabalhar para essa união, tanto no primeiro turno
como no segundo turno", disse o deputado federal licenciado Zenaldo
Coutinho (PSDB).
Apoiado pelo governador Simão Jatene (PSDB), de quem foi secretário da Casa
Civil e secretário de Desenvolvimento Social, Zenaldo viu sua campanha crescer
após a entrada desenfreada do governador na disputa. Uma pesquisa feita pelo
Vox Populi no início de setembro mostra que o apoio de Jatene a um candidato é
tão determinante quanto o da presidente Dilma Rousseff e só é superado pelo de
Lula.
Assim, a aposta dos tucanos é no alinhamento do governador com o prefeito,
algo há muito não experimentado pela população belenense. Para Jatene, o
interesse em sua vitória é evitar problemas em sua gestão se um candidato da
oposição vencer e também aumentar seu poder no partido em nível nacional, já
que, se consumado, os tucanos do Pará acumulariam o governo e prefeitura da capital.
O problema é que esse mergulho de Jatene na campanha o indispôs com o PMDB,
seu aliado em nível estadual e que sempre é o fiel da balança nas disputas de
segundo turno na capital e no Estado. O candidato José Priante, também deputado
federal e primo do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), em queda nas pesquisas,
reclama que sempre ouviu de Jatene que ele não se envolveria na disputa de
primeiro turno justamente para evitar conflitos em sua base. Mas não fez isso.
A consequência pode ser a falta de empenho na candidatura tucana em um eventual
segundo turno. Conta também para a queda de Priante nas pesquisas sua ligação
com Jader, cuja força política em Belém diminuiu nos últimos anos por conta de
denúncias de corrupção contra ele. Tanto que seu primo não o coloca na
campanha.
Priante trabalha com a ideia do candidato mais útil para a população, pelo
alinhamento de seu partido com o governo estadual e federal. Além disso,
considera o candidato oficial do governador mais frágil no segundo turno. Isso
porque o PT iria todo contra os tucanos, à diferença se em seu lugar estivesse
um pemedebista.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário