Para ministro, depoimento da presidente "vale como os outros" e
não cabe à Corte "buscar a interpretação autêntica do depoente"
Mariângela Gallucci
BRASÍLIA - Em novo sinal da tensão que envolve o Planalto e o Supremo
Tribunal Federal por causa do julgamento do mensalão, o ministro Gilmar Mendes
criticou ontem a decisão da presidente Dilma Rousseff de divulgar uma nota
oficial, na sexta-feira, um dia depois de ter sido citada em sessão da Corte.
"O depoimento dela vale como todos os outros. Não é assim que se diz na
República?", afirmou Mendes.
O ministro questionou a reação da presidente após citação feita pelo relator
do caso, ministro Joaquim Barbosa. Para sustentar a tese de que houve compra de
votos no Congresso, o relator citou depoimento dado por Dilma à Justiça em
2009, quando era ministra-chefe da Casa Civil, no qual afirmou ter ficado
supresa com a rapidez na votação do marco regulatório do setor elétrico. No
início do governo Lula, Dilma ocupou a pasta de Minas e Energia.
A presidente emitiu uma nota de "esclarecimento" na sexta-feira,
sugerindo que suas afirmações foram tiradas de contexto. Na sessão do Supremo,
Barbosa defendeu a punição de réus políticos acusados de envolvimento no
esquema. No texto oficial, Dilma afirmou que eram necessários
"esclarecimentos" para eliminar quaisquer dúvidas sobre seu
depoimento e afirmou que as relações entre o Executivo e o Judiciário são
marcadas pelo "absoluto respeito".
Ontem, Mendes disse que o episódio "é apenas um acidente nesse
processo", depois de participar de uma sessão de julgamento nas turmas do
Supremo. "Imagine se, cada vez que um tribunal tiver de se debruçar sobre
depoimentos, tiver de buscar a interpretação autêntica do depoente. Imagina o
que vai representar isso", afirmou. "Vocês imaginam quantos depõem na
CPMI, inquéritos policiais, perante o juiz, e agora alguém diz que o que o
relator disse não é exatamente. Isso vai anular o julgamento?"
Em maio, o próprio Mendes foi protagonista de uma polêmica envolvendo o
julgamento. Na época, a revista Veja relatou um encontro entre ele e Lula no
escritório do ex-ministro Nelson Jobim, no qual o ex-presidente teria feito uma
oferta velada para evitar o início do julgamento do mensalão no período
eleitoral. Mendes confirmou o teor da reportagem; Lula negou.
Convivência. Alvo da resposta de Dilma, Barbosa evitou comentar a nota. Em
novembro, o relator do mensalão assume a presidência do STF e, provavelmente,
terá de se relacionar com mais frequência com Dilma. Ele substituirá Carlos
Ayres Britto, que terá de se aposentar compulsoriamente em novembro, ao
completar 70 anos.
Na nota divulgada na semana passada, Dilma destacou que, após a crise na
geração e transmissão de energia, em 2001 e 2002, o governo mandou para o
Congresso medidas provisórias para criar o marco regulatório do setor e
garantir o abastecimento de energia elétrica.
"Na sessão do STF, o senhor ministro Joaquim Barbosa destacou a
"surpresa" que manifestei no meu depoimento judicial com a agilidade
do processo legislativo sobre as MPs. Surpresa, conforme afirmei no depoimento
de 2009 e repito hoje, por termos conseguido uma rápida aprovação por parte de
todas as forças políticas, que compreenderam a gravidade do tema", disse a
presidente. "Como disse no meu depoimento, em função do funcionamento
equivocado do setor até então, ou se reformava ou o setor quebrava. E quando se
está em situações limites como esta, as coisas ficam muito urgentes e
claras."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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