Nos últimos anos a longa e complexa crise que se abateu sobre a economia
mundial tornou-se, em grande medida, uma crise fiscal. É bem verdade que há variações
importantes na natureza das dificuldades fiscais com que diferentes economias
vêm se debatendo. O problema europeu é bem distinto do americano. Mas, nos dois
casos, salta aos olhos a prevalência das questões fiscais na evolução da crise.
O que talvez ainda não esteja sendo devidamente percebida, contudo, é a
evidência cada vez mais forte de que, a seu modo, a economia brasileira parece
estar também às voltas com seu próprio entalo fiscal.
O entalo fiscal brasileiro assume contornos muito distintos do que hoje se
observa na Europa e nos EUA. O nível de endividamento público é razoável. E a
dinâmica da dívida parece sob controle. Não há risco iminente de
insustentabilidade fiscal. O que preocupa não é bem isso. É, de um lado, a
elevação sem fim da carga tributária que o regime fiscal em vigor continua a
exigir, para que o dispêndio público possa continuar crescendo muito acima do
que cresce a economia, em consonância com o projeto político do governo. E, de
outro, que a brutal elevação da carga tributária nos últimos 20 anos - de 24%
para 36% do PIB - não tenha permitido abrir espaço para um esforço mais
vigoroso de investimento público.
Esse quadro fiscal já foi compatível com a manutenção de uma taxa razoável
de crescimento econômico. Mas, nos últimos anos, passou a sufocar a expansão,
como bem mostra a perda de dinamismo da indústria. O que hoje se vê é uma
economia claramente sobretaxada, com carências gritantes de investimento, que
não pode contar com o governo para aliviar suas deficiências de infraestrutura.
O apelo a concessões poderia, sim, minorar o problema, a partir de 2014, se o
governo estivesse disposto, de fato, a atrair investidores capazes de aportar
volumes substanciais de recursos efetivamente privados à infraestrutura. Mas o
que vem sendo contemplado é algo bem diferente: atração de empresas privadas
que possam levar adiante projetos de investimento quase integralmente
financiados pelo BNDES, com repasses de recursos do Tesouro advindos da emissão
de dívida pública. O governo continua apostando no prolongamento de um quadro
de fartura fiscal que já desapareceu de cena.
Ao fim de dois anos de crescimento econômico medíocre, as contradições do
atual regime fiscal estão exacerbadas. Embora já não seja mais possível manter
a arrecadação crescendo como antes, o gasto público continua em franca
expansão, muito acima do crescimento do PIB. E, a julgar pela proposta
orçamentária para 2013, contenção de gastos não é exatamente o que o governo
tem em mente para o ano que vem.
Não é difícil vislumbrar o entalo que pode se configurar. Num quadro em que
os investidores privados permaneçam céticos, as concessões custem a deslanchar
e o governo continue incapaz de cumprir a contento a parte que lhe cabe no
esforço de investimento, a retomada de 2013 pode se revelar bem mais débil do
que o Planalto espera. E mais um ano com a economia patinando será péssima
notícia para as contas públicas.
Mesmo numa economia anêmica, contas públicas em deterioração podem, sim,
trazer pressões à inflação. Especialmente, quando a expansão da oferta está
limitada pela escassez de mão de obra e pelas deficiências de infraestrutura.
Basta ter em conta a taxa de inflação em 2012, com um crescimento do PIB da
ordem de 1,5%. É bem provável que, em 2013, tais pressões ponham em xeque a
firme determinação do governo de evitar a todo custo que o Banco Central volte
a elevar a taxa básica de juros.
O governo tem mostrado grande resistência a reconhecer as dificuldades de
dar sobrevida a um regime fiscal que continua a exigir elevação sem fim da
carga tributária, e nem mesmo assegura a manutenção de esforço minimamente
razoável de investimento público. A resistência é compreensível. O que está em
jogo é a essência do projeto político do governo.
Economista e professor da PUC-Rio
Fonte: O Globo
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