O morador de Brasília viu ontem, bestificado de inveja, a mobilização do ministro
da Justiça do governo federal petista, José Eduardo Cardozo, para levantar-se
da cadeira e ir ajudar São Paulo a enfrentar onda de violência fora do comum.
Na capital da República, sede do governo federal, a violência é extraordinária
há muito tempo, a polícia sumiu das ruas para ocupar cargos administrativos, os
sequestros, assaltos, homicídios chegaram muito perto da Esplanada dos
Ministérios, já atingiram os filhos do poder, sem que a presidente Dilma
Rousseff e o ministro Cardozo esboçassem reação. Nem de medo.
A saúde e o atendimento hospitalar já são folclóricos, tal a situação de
descalabro; a educação anda para trás; o caos nos transportes e no trânsito
deixam perplexos os amantes da racionalidade: sem transporte público eficiente
em quantidade e qualidade, a cidade viu de repente serem criados corredores de
ônibus absolutamente inúteis e vazios enquanto os carros se espremem em duas
faixas das avenidas de acesso às quadras residenciais, pela direita, para serem
multados ao invadir obrigatoriamente o espaço do ônibus inexistente. Apagões de
energia, em Brasília, são rotina acima da média nacional sem que a companhia de
eletricidade receba investimentos.
Multiplicam-se os problemas de toda ordem, a cada eleição a cidade vai
passando de uma mão à outra, de um escândalo de corrupção a outro, de Roriz
para Arruda, de Arruda para quatro interinos em um ano, dos quatro para Agnelo,
de uma Câmara Legislativa que caiu do chão em que já se encontrava na Operação
Caixa de Pandora para outra já quase 100% comprometida com os meios e modos do
novo governo local.
Agnelo Queiroz foi do PCdoB ao PT para se cacifar para esta candidatura,
ocupou dois cargos federais no governo petista e saiu dos dois arrastando atrás
de si desconfianças que ainda não conseguiu superar. Já no governo, tem um
auxiliar muito próximo, responsável pelo praticamente único investimento para o
qual todo dinheiro produzido no governo é canalizado - o estádio da Copa - nas
denúncias Carlos Cachoeira.
O PT fez uma intervenção quando sentiu a possibilidade de o governador não
se levantar e lhe impôs dois nomes, Swedenberger Barbosa, um técnico ligado ao
ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, com dez anos de experiência no Palácio do
Planalto, e Paulo Barreto, ex-ministro da Justiça, um na Casa Civil, outro no
Planejamento, mas não conseguiram domar nem política nem administrativamente o
governo.
A Câmara Distrital tem 24 deputados, o governo conta com o apoio de 21 e
agora incorporará os três do PSD de Gilberto Kassab. É que os cargos no governo
são distribuídos por deputados, não por partidos. No Congresso Nacional, a
conversa do chefe do governo brasiliense é com o senador Gim Argello (PTB), que
sequer integrou sua campanha e é um político biografado nos grupos da direita e
denunciados que dominaram a política local até aqui e não com os políticos
sérios da bancada federal, mais considerados pela população, como os senadores
Cristovam Buarque (PDT), Rodrigo Rollemberg (PSB) e o deputado Reguffe (PDT).
A bancada federal - três senadores e oito deputados - não tem alinhamento
com o governador e faz cobranças, até por escrito, sequer respondidas. Os três
últimos episódios mais desgastantes para o governador, sobre os quais ainda
nada esclareceu, foram, primeiro, um contrato obscuro com uma empresa Cingapura,
sem licitação, para fazer o planejamento econômico do Distrito Federal pelos
próximos 50 anos. A empresa não tem economistas na sua estrutura nem
especialistas que possam lidar com qualquer projeto para uma cidade tombada
como patrimônio da humanidade. Nenhuma instituição local foi ouvida sobre o
assunto. Quando a bancada ameaçou fazer uma denúncia do contrato, o governador
convidou a todos para uma reunião em que explicaria suas razões para tal
iniciativa mas, na véspera, publicou o contrato e os parlamentares, diante do
fato consumado, cancelaram o encontro.
Outro episódio do qual a bancada federal e também a bancada petista da
Câmara Distrital desconfiam é o da demissão, repentina e sem justificativa, do presidente
do BRB, o banco local, Jaques Pena, um petista histórico com carreira técnica
consolidada no próprio banco. Foi trocado por Abdon Araújo, um dos quatro
amigos que Agnelo tem mais próximos: os outros três são Claudio Monteiro, o
responsável pelo estádio, Rafael de Aguiar, o secretário de Saúde, e o advogado
Luis Carlos Alcoforado.
O senador Cristovam Buarque disse, da tribuna, que já tinha ouvido falar em
partidarização de banco, mas em patotização de banco, não. A esperança dos
políticos federais é a intervenção do Banco Central nessa nomeação.
O terceiro episódio desgastante, ainda sendo digerido pela bancada, é o da
privatização do lixo. O governo local anunciou, também de repente e sem debate,
uma PPP de R$ 11,7 bilhões, em 30 anos, para privatização do processamento do
lixo em Brasília. Diante da revolta dos setores políticos da cidade o
governador recuou num primeiro momento, para retomar a iniciativa agora, com
audiência pública marcada para semana que vem.
A cidade vive o caos em todos os serviços públicos e o governo não tem um
projeto que o unifique, a não ser o samba de uma nota só da construção do
estádio sanguessuga. O PAC do entorno virou pó desde que o constrangimento uniu
em abraço de afogados nas águas de Cachoeira os governadores Agnelo Queiroz e
Marconi Perillo (PSDB). Contra Cingapura e terceirização do lixo, Cristovam
Buarque e Rodrigo Rollemberg entraram com ação no Ministério Público, mas os
três políticos da bancada federal que têm sido mais exigidos pelos eleitores
não podem muito mais do que a reação política e o discurso da tribuna.
Cristovam, cujo partido está formalmente na oposição, defende que se faça um
pouco mais que discurso para dar um governo digno ao Distrito Federal em 2014,
e um nome possível seria o do deputado federal Reguffe (PDT), bem votado e
avaliado. Rollemberg, do PSB, ainda em processo de discussão com suas bases
sobre rompimento da aliança, também não está alheio à situação. Tem defendido
uma articulação à esquerda, com PSB, PDT, PSOL, PPS, para tentar interromper,
em 2014, essa triste sina da capital da República.
Fonte: Valor Econômico
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