O jogo de Marcos Valério que aos olhos da plateia parece nebuloso é claro
sob a ótica do Ministério Público: o objetivo dele é conseguir do Supremo
Tribunal Federal uma execução diferenciada de suas penas.
Em miúdos, redução dos anos de prisão em sistema fechado e cumprimento em
estabelecimento onde as condições e acomodações sejam próximas do razoável, e a
convivência com os companheiros não ponha em risco sua integridade física.
Bastou-lhe uma experiência traumática quando foi preso em 2008 por suspeita
de denúncias fraudulentas contra fiscais da Receita Federal.
Hoje Valério já não se movimenta para escapar da cadeia, para se vingar do
PT nem tem intenção de entrar no programa de proteção a testemunhas.
Evitar a prisão não tem mais jeito; a revanche pura e simples na forma de
acusações sem provas não lhe renderia vantagem objetiva alguma; e, se a prisão
fechada por muitos anos em condições sub-humanas é o pior dos mundos, segundo
quem conhece, o sistema o programa de proteção a testemunhas é o segundo pior
dos mundos.
A pessoa abdica da própria identidade, é obrigada a viver com parcos
recursos e não tem garantida a segurança da família.
A única escolha que restaria a Marcos Valério, portanto, seria tentar
sobreviver no terceiro pior dos mundos: menos anos de cadeia fechada em algum
presídio onde não conviveria com condenados por crimes de sangue, teria horário
flexível para visitas, acesso livre aos advogados e outras facilidades.
A questão é como conseguir isso. Nessa altura só há um caminho: entregar ao
Ministério Público algo de realmente valioso para ajudar a esclarecer fatos a respeito
dos quais a promotoria, a polícia e a Justiça não tenham conhecimento.
Embora Valério não seja uma testemunha tida como confiável em decorrência
das várias ameaças frustradas de colaborar com as investigações, é visto como
depositário de informações relevantes.
Por que essa certeza? Por ser o operador do esquema de arrecadação e
distribuição de dinheiro, por já ter demonstrado que é organizado e tem
registro de todos os seus negócios e porque o advogado Marcelo Leonardo não
iria informar ao relator Joaquim Barbosa que seu cliente estava disposto a
falar se não fosse para valer.
Seria desmoralizante para o defensor – conhecido inclusive por ser contra o
uso da delação premiada – figurar como avalista de tentativa de manipulação da
Justiça.
Nenhuma das partes (Procuradoria-Geral, advogado, réu e Supremo) revela os
detalhes, mas há uma negociação em curso, cujo sentido é o seguinte: o
condenado procura revelar o menos, o Ministério Público busca extrair o máximo
e dessa conta de chegar é que resulta, ou não, a concessão do benefício
pretendido.
O primeiro movimento foi o envio do ofício ao STF dizendo da disposição de
colaborar. Valério foi ouvido e, em princípio, o procurador Roberto Gurgel não
obteve (ou não quis tornar público) dele nada de útil.
Agora caberá ao réu oferecer algo mais. E por "algo mais"
entenda-se prova documental daquilo que diz. A avaliação sobre a eficácia das
informações é da promotoria, mas a decisão final é tomada no Supremo.
Em tese Marcos Valério teria tempo até a publicação do acórdão para obter a
execução diferenciada das penas. Na prática, porém, há urgência da parte dele,
pois o "palco" do julgamento lhe dá a evidência necessária para
negociar em melhores condições.
Apagadas as luzes, cairá gradualmente no ostracismo, deixando de ser um
personagem para virar um condenado comum. Portanto, tem prazo até a proclamação
do resultado para dar à Justiça uma justificativa consistente para considerá-lo
merecedor das prerrogativas de colaborador.
Para isso terá de ajudar a elucidar quem mais participou, quanto dinheiro
circulou e a que outros propósitos a organização criminosa atendeu, além da
compra de apoio parlamentar.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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