As questões conceituais mais polêmicas
suscitadas pelo julgamento do mensalão foram passadas a limpo ontem na 50ª
sessão, que deveria ser a penúltima. Não é possível, no entanto, apostar que
hoje os ministros consigam encerrar temas também decisivos, como a perda de
mandato dos deputados condenados, e por isso o presidente Joaquim Barbosa já
convocou preventivamente uma sessão extra para segunda-feira.
Ontem, tratou-se de dois temas que vêm
dominando os debates políticos e acadêmicos: a duração das penas e uma suposta
heterodoxia na interpretação das leis. Ambos os assuntos surgiram devido à
proposta, esta sim heterodoxa, defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello de
considerar os diversos crimes praticados pelos réus condenados como de
"continuidade delitiva", o que reduziria as penas drasticamente. O
ministro Marco Aurélio chegou a citar "o sociólogo e ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso", ao ressaltar que, "mais importante que a
pena aplicada, é a condenação". Para Marco Aurélio, "estamos diante
de acusados autores de delitos episódicos. Não são elementos perigosos, que
justifiquem o afastamento da vida social".
O publicitário Marcos Valério, por exemplo,
passaria de uma pena de mais de 40 anos a outra de pouco mais de 10 anos. Os
advogados de defesa queriam tratar como um crime só lavagem de dinheiro e
corrupção ativa, por exemplo, que os juristas classificam de tipos penais
distintos.
Coube ao ministro Gilmar Mendes colocar o
dedo na ferida: "Chego a imaginar as ações do PCC (principal facção
criminosa de São Paulo) contemplado no âmbito do artigo 71 (que trata da
continuidade delitiva). Vejo que teríamos uma desastre".
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, disse
que a prevalecer esta "concepção generosa de continuidade delitiva",
teremos "as situações mais absurdas". Nós sabemos, ponderou Barbosa,
que no nosso país há "grupos de quadrilhas das mais diversas naturezas,
algumas extremamente brutais". A prevalecer a proposta defendida por Marco
Aurélio e também pelo revisor Ricardo Lewandowski, o relator salientou que
"nossos magistrados serão obrigados a aplicar apenas o crime de tráfico e
ignorar os demais crimes de um membro desta quadrilha que tenha praticado
crimes da pior espécie, como tráfico de drogas, porte de armas, corrupção,
formação de quadrilha".
O ministro Luiz Fux veio em auxílio à tese de
que as penas não estão fora da razoabilidade ao lembrar que nenhum dos
condenados recebeu pena além da média do que prevê a lei. E também que o
procurador-geral da República queria que os réus fossem condenados por
"crime material", e o Supremo decidiu usar "crime
continuado".
Além disso, as lavagens de dinheiro foram
contadas como apenas uma, quando alguns condenados a haviam praticado por até
40 vezes. O ministro Gilmar Mendes, usando de ironia, disse que, se a tese dos
dois progredisse, o STF estaria acabando com o crime de lavagem de dinheiro. E
Joaquim Barbosa foi mais drástico: "Esses dois votos na prática reabrem
todo o julgamento depois de quatro meses".
Na verdade, caso a esdrúxula proposta dos
advogados de defesa vingasse, haveria uma reversão de expectativas na opinião
pública, que veria como um retrocesso a redução das penas dos condenados.
Como o ministro Lewandowski continuasse
insinuando que houve decisões "heterodoxas" no julgamento do
mensalão, vários ministros voltaram ao tema. Gilmar Mendes foi dos mais
enfáticos: "(...) gostaria de deixar claro que aqui também não houve
nenhuma revisão, mas o que há de heterodoxo neste caso? De fato é a prática delituosa.
O que se praticou aqui é um caso realmente raro na crônica da criminalidade
porque é a corrupção com recibo, de tão seguros que estavam que não haveria
punição".
O ministro Celso de Mello voltou a abordar o
paralelo entre este julgamento e a ação 307, quando o ex-presidente Collor foi
absolvido pelo STF por falta de provas. "Nesse caso (mensalão), o
Ministério Público agiu com absoluta correção e indicou o ato de ofício em
razão dos quais as indevidas vantagens foram oferecidas e também entregues.
Portanto, não houve qualquer mudança de paradigma". Gilmar Mendes
reafirmou que "o tribunal não rompeu com sua jurisprudência com a
exigência do ato de ofício".
Fonte: O Globo
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