O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
não foi terça-feira à Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados
para fazer justiça aos fatos de que se viu obrigado a tratar em depoimento que
se arrastou por cerca de oito horas - as evidências de corrupção no governo
reveladas pela Operação Porto Seguro da Polícia Federal. Foi para salvar a face
da presidente Dilma Rousseff, alvejada por mais um escândalo na sua
administração, semeado, também este, pelo seu antecessor e padrinho Luiz Inácio
Lula da Silva. Segundo o noticiário, a chefe gostou do desempenho do ministro.
Só se foi porque ele cumpriu sem corar o papel que lhe cabia. Já se a avaliação
se pautar pelo respeito do depoente pelas verdades trazidas à luz, o resultado
foi deplorável.
Como se sabe, em fevereiro do ano passado, um
então auditor do Tribunal de Contas da União, Cyonil da Cunha Borges de Farias
Júnior, procurou a Polícia Federal para delatar um esquema de fabricação sob
medida de pareceres oficiais, para o qual ele teria sido aliciado mediante
suborno. As investigações disso resultantes, incluindo escutas telefônicas e
interceptação de e-mails autorizadas pela Justiça, identificaram uma quadrilha
chefiada pelo diretor de Hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo
Vieira, com aparentes ramificações na Advocacia-Geral da União (AGU), na pessoa
de José Weber Holanda, o sub do titular Luís Inácio Adams. Vieira, assim como
seu irmão Rubens, então diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac),
também envolvido em maracutaias, deviam os seus cargos à chefe do escritório da
Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha - Rose para os
íntimos -, que por sua vez ganhou o posto por ser namorada de Lula.
Justiça se faça à presidente Dilma, ela de
imediato demitiu ou afastou de seus cargos estes e outros funcionários
graduados, mandou abrir cinco sindicâncias e revisar os atos por eles
praticados. O que, já de si, fazem parecer conto da carochinha as principais
alegações de Cardozo na sua alocução aos deputados, que se resumem, afinal, a
duas falácias. Uma, a de que não cabe falar em quadrilha, porque tudo se
limitou à conduta criminosa de "servidores de um patamar secundário".
Outra, a de que "imaginar que o ex-presidente estivesse envolvido por trás
disso está, a meu ver, desmentido". O ministro atropelou o idioma e a
inteligência alheia. Antes de tudo, chamar diretores de agências reguladoras de
setores estratégicos da área pública, para não mencionar o segundo homem da
AGU, o maior escritório de advocacia do País, de "servidores de um patamar
secundário" é dose, como se diz.
Já o envolvimento de Lula não é fruto da
imaginação de ninguém, mas do que se conhece do esquema - e decerto há muito
mais a conhecer. O então presidente, que premiou a sua amiga com uma boquinha
no gabinete presidencial em São Paulo, promoveu-a mais tarde a chefe da
repartição e, antes de deixar o Planalto, pediu a Dilma que a mantivesse no
lugar, não só estava ciente, mas, a pedido de Rose, trabalhou pela nomeação de
Paulo Vieira. Tanto que, não tendo o seu nome sido homologado pelo Senado em
duas votações, foi providenciada uma terceira, enfim bem-sucedida. Pode alguém
imaginar - aqui, sim, o verbo se aplica - que essa anomalia teria ocorrido sem
o concurso do então presidente? A cadeia de malfeitos evidentemente não começa
com as jogadas da espaçosa Rose - sempre pronta, aliás, a destratar os de baixo
e se fazer benquista pelo seu protetor - em troca de prendas de variados
tamanhos: de empregos para a parentela a pagamento de contas.
Lula deu mão forte a Rose o tempo todo - até,
naturalmente, ela cair em desgraça, indiciada por corrupção, tráfico de
influência e falsidade ideológica. Desde então ele se mantém fechado em copas.
Para diminuir a importância da sua acompanhante em 24 viagens ao exterior, com
passaporte diplomático - e, por tabela, tirar o ex-presidente de cena -,
Cardozo argumentou que, segundo conversas interceptadas, ela havia sido "escanteada"
pelos quadrilheiros. É irrelevante. O que conta é que, sem o apoio de Lula, não
teria a importância que teve a contribuição de Rose à esbórnia na
"administração republicana" do PT.
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