Exposição, livro, CDs, DVDs, filme... Agora é Clara Nunes quem ganha um ano inteiro de homenagens
Mauro Ferreira
Viúvo de Clara Nunes (1942-1983), o compositor carioca Paulo César Pinheiro se recusou a ver o corpo da cantora no caixão, em 2 de abril de 1983, dia em que as funções vitais da artista se encerraram após 28 dias de agonia no CTI da Clínica São Vicente, no Rio.
Pinheiro, marido de Clara desde 1975 e produtor dos discos da cantora a partir de 1976, nem sequer viu a mulher no CTI, para onde ela fora encaminhada na tarde de 5 de março de 1983 por conta de um choque anafilático que desativou seu cérebro - complicação inesperada do que seria uma corriqueira cirurgia de varizes. Ele preferiu guardar na memória a imagem vivaz de Clara Francisca Gonçalves, cantora mineira que conquistou o Brasil a partir de 1971 com a estilizada imagem de baiana arquitetada pelo radialista Adelzon Alves para traduzir visualmente o repertório de sambas de sotaque afro-brasileiro que Clara adotaria a partir de então, após fracassadas incursões pelo terreno dos boleros e das músicas de festival. Decorridos 30 anos da precoce saída de cena da cantora, Pinheiro mantém sua postura reclusa e prefere ficar ausente das saudações a Clara que vão acontecer ao longo de 2013 para lembrar as três décadas da morte da artista. Caixa com a obra completa, CDs avulsos, DVDs, documentário, exposição, reedição de biografia e lançamento de gravação na internet vão fazer ressoar o canto luminoso de Clara Nunes.
"Nunca participo de nada. Com Clara em vida, a única coisa que fiz foi produzir seus discos. O que eu tinha que fazer, eu já fiz. E fiz bem. Clara cantou em vida um repertório magnífico. Esse repertório não morre", avalia Pinheiro, que assumiu a produção dos álbuns a partir de Canto das Três Raças (1976), disco em que Clara começou a abrir o leque estético de seu repertório.
Paulo César Pinheiro se refere a cantoras como Aline Calixto. Mineira como Clara, Calixto vai lançar em março na internet, para download gratuito, gravação inédita de Conto de Areia (Romildo Bastos e Toninho Nascimento), sucesso de 1974 que fez o sétimo álbum de Clara, Alvorecer, vender 300 mil cópias e abrir caminho na indústria para cantoras de samba como Alcione, que seria contratada pela Philips para gravar seu primeiro LP em 1975, e Beth Carvalho, convidada a ingressar na RCA em 1976 após três discos editados na pequena Tapecar. Calixto convidou o rapper paulista Emicida - atual sensação do hip hop ao lado de Criolo - para participar da gravação. "A ideia é lembrar de Clara com linguagem contemporânea. Meu pai e meus avós tinham Clara e Elis como referências de cantoras brasileiras", contextualiza Calixto, que vai apresentar em São Paulo este ano o show com músicas de Clara Nunes que estreou em Belo Horizonte (MG) no ano passado, em meio às comemorações do 70º aniversário da cantora, festejado em agosto.
A imagem de Clara chegou às novas gerações através do YouTube e do primeiro DVD póstumo da cantora, Clara Nunes - Os Musicais do Fantástico das décadas de 70 e 80. Lançado em 2008 pela EMI, o já esgotado vídeo ganhou DVD de Ouro pelas vendas superiores a 25 mil cópias. Tanto que outro DVD póstumo, com o registro do Especial Clara Nunes, gravado em 1973 para a TV Bandeirantes com o Conjunto Nosso Samba, vai ser lançado em abril. "É incrível como a Clara tem grande legião de fãs que a seguem tanto no lado musical como no espiritual", ressalta Luiz Garcia, gerente de marketing estratégico da EMI.
Simultaneamente com o DVD do especial de 1973, Garcia pretende colocar nas lojas, entre março e abril, a reedição da caixa Clara, lançada em 2004 com reedições dos 16 álbuns oficiais da artista no formato 2 em 1. "A reedição da caixa vai pegar uma nova geração", prevê o executivo. Ao longo do ano, os títulos mais importantes da discografia serão reeditados, de forma avulsa, em embalagem digipack. "A gente vai relançar aos poucos todos os álbuns emblemáticos, em formato de luxo, com faixas-bônus", detalha Garcia.
Para corrigir os erros da edição original da caixa, que embalou os álbuns Clara Nunes (1972) e Claridade (1975) com capas equivocadas, as reedições dos 16 discos foram revisadas pelo jornalista Vagner Fernandes, biógrafo da cantora, cujo livro Clara Nunes - Guerreira de Utopia, lançado em 2007 e já esgotado, vai ser reeditado em abril. "A obra de Clara é atemporal. A personagem é atemporal. A maneira como ela interpretou seu repertório é atual", ressalta Fernandes. Dono de vasto arquivo de imagens, áudios e vídeos de Clara, Fernandes vai exibir parte desse acervo em exposição programada para ser inaugurada no Rio em meados deste ano. Uma das atrações vai ser o áudio dos ensaios de Sabiá, Sabiô, show que Clara iria fazer em 1972, sob a direção de Hermínio Bello de Carvalho, mas que foi abortado antes da estreia. Outra preciosidade é o áudio de Tinguá, música de autoria da ex-jogadora de basquete Neuci Ramos da Silva que foi defendida por Clara no II Festival Fluminense da Canção Popular, realizado em 1968 no Estádio Caio Martins, em Niterói (RJ).
Fernandes também comemora a descoberta do áudio integral (com boa qualidade técnica) da última apresentação do show Brasileiro, Profissão Esperança, feito por Clara em 1974 ao lado do ator Paulo Gracindo (1911 - 1995). Calcado nas obras dos compositores Antônio Maria (1921 - 1964) e Dolores Duran (1930 - 1959), o espetáculo bateu recordes de público no extinto Canecão e foi parcialmente registrado em disco que, de acordo com Fernandes, não é ao vivo como alardeado na contracapa do LP original. "É um registro de estúdio ao qual foram adicionadas palmas", sustenta o biógrafo.
No registro integral de Brasileiro, Profissão Esperança, Clara canta trecho de Travessia (1967), primeiro sucesso de Milton Nascimento. Ardoroso fã da mineira cantada em verso e prosa por João Nogueira (1941 - 2000) no samba intitulado justamente Mineira (1975), Milton define Clara como "a maior cantora de samba" em depoimento concedido para a série de cinco programas documentais exibidos pelo Canal Brasil em dezembro. Filmado sob a direção de Darcy Burger, a partir de roteiro traçado por Vagner Fernandes, o documentário vai ser reeditado para exibição nos cinemas e posterior edição em DVD.
Outro DVD que vai ser lançado ao longo de 2013 para celebrar Clara Nunes é Canto Sagrado, registro audiovisual do show idealizado pela cantora paulista Fabiana Cozza, uma das vozes mais elogiadas do samba de São Paulo, cidade onde o show vai ser gravado ao vivo, em abril ou maio. Cantora habituada a dar voz a repertório de tom afro-brasileiro, Cozza conta que a motivação para a criação do show Canto Sagrado foi seu desejo pessoal de homenagear Clara. "Além de ter sido cantora de timbre personalíssimo, com um canto pontuado por belíssimas costuras melódicas e senso rítmico apurado, Clara imprimiu ao longo da carreira uma brasilidade ímpar, valorizando e ressaltando a cultura afro-brasileira, da beleza da mulher negra à religiosidade e às diferentes manifestações culturais espalhadas pelo País", teoriza Cozza.
Se Fabiana Cozza apresenta no roteiro de Canto Sagrado alguns lados B da obra de Clara Nunes, como Deixa Clarear (Wilson Moreira e Nei Lopes) e Novo Amor (Chico Buarque), músicas gravadas pela Guerreira em 1981 e 1982 respectivamente, a cantora baiana Mariene de Castro optou por priorizar os hits de Clara em Ser de Luz, CD e DVD que a gravadora Universal Music põe agora nas lojas.
Abrindo as saudações a Clara Nunes por conta dos 30 anos de sua morte, Ser de Luz registra o show feito por Mariene no Espaço Tom Jobim, no Rio, em 9 de outubro de 2012. A baiana dá voz a 16 músicas lançadas por Clara entre 1971 e 1982, período áureo da carreira da mineira. Quando Clara morreu, Mariene ia fazer cinco anos. Ausente da memória afetiva de Mariene, o repertório de Clara somente foi recentemente assimilado pela cantora que, para muitos, é a mais perfeita tradução visual de Clara. "Tive pouco contato com a obra de Clara, mas bateu em mim a curiosidade de conhecer essa pessoa a quem tanto me associavam", explica Mariene, que no Carnaval de 2012 desfilou em homenagem à colega na Portela, a escola de samba que Clara abraçou após ter sido recebida com frieza na Mangueira.
"No dia em que escutei Um Ser de Luz (samba feito em 1983 por João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro em memória de Clara) entendi a emoção que esse povo tem ao falar de Clara Nunes, entendi a saudade do Brasil e chorei compulsivamente no meio da rua", conta Mariene, que vai cair este ano na estrada com o show em que canta somente as músicas da artista mineira, ajudando a amenizar a saudade que o Brasil tem de Clara Francisca Gonçalves, a imortal Clara Nunes.
Som
Música na rede
A mineira Aline Calixto lança em março, na internet, gravação inédita de Conto de Areia, feita com participação de Emicida.
Caixa de CDs
Lançada em 2004, com reedições de 16 álbuns no formato 2 em 1, a caixa Clara foi revisada e vai ser reeditada em abril.
CD 2013: 30 Anos sem Clara Nunes
A cantora baiana Carla Visi finaliza disco com regravações de sucessos de Clara, feitas em dueto com artistas como Péricles e Thiaguinho. Daniela Mercury também participa do projeto.
Álbuns em digipack
A EMI prepara reedições avulsas, em embalagem digipack, dos álbuns mais emblemáticos da cantora.
CD Ser de Luz
CD e DVD em que a cantora baiana Mariene de Castro canta 16 músicas do repertório de Clara Nunes sob a direção musical de Alceu Maia, com participações de Diogo Nogueira e Zeca Pagodinho em Juízo Final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973) e em Coisa da Antiga (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1977), respectivamente. Sai em fevereiro via Universal Music.
Imagem
Documentário Clara
Dirigido por Darcy Burger, o filme tem previsão de estreia em 2013. Vai ser editado a partir do material bruto filmado para os cinco episódios da série documental apresentada pelo Canal Brasil em dezembro.
Exposição
Biógrafo de Clara, Vagner Fernandes prepara exposição com fotos e material inédito em vídeo, áudio e imagens.
Livro
Reedição, prevista para abril, da biografia Clara Nunes - Guerreira da Utopia, escrita por Vagner Fernandes e lançada em 2007.
DVD Especial Clara Nunes
A gravadora EMI planeja editar em abril o DVD com o registro integral do especial gravado por Clara em 1973 para a TV Bandeirantes com o Conjunto Nosso Samba. O repertório inclui Fim de Caso, de Dolores Duran (1930 - 1959).
DVD Canto Sagrado
A cantora paulista Fabiana Cozza faz ao vivo, em São Paulo, entre abril e maio, o registro audiovisual do show Canto Sagrado para edição em DVD.
Fonte: Caderno 2 / O Estado de S. Paulo
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