Existe uma forte tendência, nos estudos sobre o chamado "Poder local", de assumirem a forma de uma etnografia política, bem feita, minuciosa e bem documentada. Há quem afirme ser o âmbito da política municipal o mais despolitizado de todos, uma vez que o componente eleitoral do voto é muito mais forte do que o político ou o ideológico. Daí a forte tendência dos gestores municipais serem da situação, governistas inveterados. É preciso considerar também a grande dependência financeira da maioria dos munícipios brasileiros em relação ao governo federal e estadual, sobretudo em tempos de disciplina fiscal e redução do IPI. Daí o pragmatismo político dos prefeitos. Acima de tudo, gerentes, não políticos.
Contudo, há descrições e descrições. O antropólogo norteamericano Clifford Geertz fala em uma "descrição densa" que é ao mesmo tempo uma interpretação do objeto a ser descrito. Neste ponto, queremos situar o novo livro do cientista político e sociólogo Antonio Ruyter Bezerra sobre a saga da família Coelho, em Petrolina, como um meio termo entre a descrição pura e a descrição densa, de Geertz, já que o trabalho pertinaz de Ruyter é resultado de uma tese de doutorado em ciencias sociais.
Quais são as categorias de análise utilizadas na etnografia política da família Coelho? - Aquelas da sociologia política de Max Weber, sobretudo os tipo ideais de dominação política (tradicional, carismática e moderna). Que tipo de dominação se atribuiria ao caso de Petrolina: a dominação tradicional, oligárquica e patrimonialista. Quanto a isto, poderia se perguntar se é lícito atribuir a este tipo ideal de dominação uma espécie de racional instrumental, chamada pelo autor de "liberal", tanto quanto os conceitos de burocracia e empresa capitalista.
A ensaística brasileira tem utilizado os conceitos de patrimonialismo, familismo, oligaquia, clientelismo, fisiologismo, filhotismo e compadrio, como se quisesse afirmar que se trata de uma tipo de dominação (essa do Nordeste agrário) tradicional, baseada na força, na ignorância ou na dependencia financeira e social dos mais humildes. Tal constatação estaria também associada a um processo de "modernização conservadora", que se atualiza economicamente e tecnologicamente, mas permanece socialmente e politicamente atrasada. É o que quer dizer o famoso livro de Peter Eisenberg sobre Pernambuco: Modernização sem mudança. Este processo seria mais visível no sertão onde as brigas de famílias são frequentes e é baixo o grau de socialização política nas comunidades locais, imperando um tipo de política do amigo e do inimigo. Aliás, esse processo - no caso de Petrolina - já ganhou um nome: Aspersor e Voto, parafraseando o título do famoso livro de Victor Nunes Leal - Coronelismo, Enxada e Voto.
O que predomina nesse processo de modernização: o cálculo e a razão instrumental ou o homem cordial e os vínculos de parentesco e de amizade? Pela análise da maioria dos sociólogos, o homem cordial. O tipo ideal weberiano da dominação racional-legal aplicar-se-ia à dominação moderna, urbana e industrial, do trabalho assalariado e do mercado capitalista. As fortes raízes rurais da persistente influência política da família Coelho faria dela uma tipo de dominação tradicional; embora a terceira geração posso começar uma nova forma de dominação política. Poder-si -ia acrescentar que a ausência de uma sociedade civil robusta e de meios de comunicação independentes, junto ao poder econômico de uma família poderosa, podia explicar essa persistência. E que a formação de uma esfera pública democrática (apoiada numa opinião pública mais esclarecida) poderia fazer surgir novos candidatos, associações e partidos. Junte a isso, a fragilidade da estrutura partidária, num modelo federativo desigual e diferente, como o nosso. O que representam os partidos políticos, a nível municipal e estadual: sublegendas para acomodar dissidências oligárquica ou familiar, independentemente dos rótulos ou legendas políticas?
E a utilização do conceito de "oligarquia", feita pejorativamente pelos cientistas sociais brasileiros? - Norberto Bobbio diz que a nossa democracia procedimental não passa de uma rotatividade de oligarquias no poder, com a autorização periódica da cidadão. Grupos que são minorias, não necessariamente familiares ou hereditárias. E a oligarquia política que governa o estado de Pernambuco? Ela é atrasada ou moderna? É racional-legal ou patrimonialista? É burocrática (ou gerencial) ou familista?
Fica pendente no livro de Ruyter a questão do surgimento do contraditório e de uma autêntica oposição. Quem é a oposição em Petrolina: os sindicatos rurais e urbanos, a classe média escolarida, o "povo de Dilma"? O PT, o PSDB, o PMDB? Ou como é possível ser opocisão em Petrolina, sem se aliar a um dos lados da família Coelho ?. Talvez tenhamos que remontar ao livro clássico de Sérgio Buarque de Holanda e ao capítulo sobre a "nosso revolução". Processo de longa duração que vem junto com a urbanização, o mercado capitalista, os meios de comunicação de massa, a racionalidade do mundo do trabalho e da empresa capitalista, liberta da dependência social e política dos senhores rurais e chefes políticos locais. E com a nacionalização dos pleitos, das candidaturas e da própria discussão sobre modelos de gestão e de governo. Finalmente o que dizer de LULA e do petismo, que têm tanto voto em Petrolina, é o aliado dos trabalhadores, da classe média, dos chefes políticos locais, do governador e seus senadores, alguns da própria região. E o que dizer da política de alianças do PT a nivel nacional, incluindo Jader, Sarney, Collor, a Igreja Universal, a Assembléia de Deus e o que mais vier?
Sociólogo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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