Os americanos são perseguidos por uma praga: quando estão do lado certo, ninguém se lembra do que fizeram
Morreu há poucos dias o professor americano Robert Pastor. Tinha 66 anos e chegou à Casa Branca aos 29, como assessor do presidente Jimmy Carter para assuntos latino-americanos. Era miúdo, atrevido e tenaz. Quando as pessoas se acabam, é comum que delas falem os amigos. De Pastor deve falar um adversário, o general Carlos de Meira Mattos, destacado chefe militar da ditadura. Combateu na Itália com a FEB, ocupou militarmente o governo de Goiás em 1964, chefiou a brigada que ocupou a República Dominicana em 1965 e comandou o cerco e fechamento do Congresso brasileiro no ano seguinte. Autor de diversos livros sobre geopolítica, em 1976 estava em Washington, na Junta Interamericana de Defesa. Nessa época, Rosalynn, a mulher do presidente Jimmy Carter, visitou o Brasil e, surpreendentemente, entrevistou-se com dois missionários americanos que viviam com mendigos e foram metidos numa enxovia pela polícia pernambucana. A cena foi para a primeira página dos jornais brasileiros e americanos.
Meira Mattos escreveu ao seu chefe:
“Após a desastrosa repercussão na imprensa norte-americana da viagem da Sra. Carter, estou convencido de que tudo foi preparado com antecedência.” (Tinha razão.) “Quem está dirigindo a política particular de Carter é um grupo de jovens instalados na Casa Branca. (...) Sob o pretexto de política de direitos humanos, todos os esforços estão sendo feitos por esse grupo para afastar cada vez mais os EUA dos países governados por militares.” (Tinha razão, de novo.)
Entre os jovens, estava “Robert Pastor na Secretaria de Segurança Nacional, que funciona no próprio edifício da Casa Branca. O sr. Pastor acumula suas funções com as de assessor particular do presidente para assuntos latino-americanos”. Põe acumula nisso. Entrava no Salão Oval (vazio) às oito da noite, sem pedir licença a ninguém. Foi ele quem costurou o acordo que devolveu ao Panamá a soberania sobre o canal que liga os oceanos Atlântico e Pacífico.
Houve o dedo de Pastor no oferecimento de asilo territorial a Leonel Brizola em 1977, quando a ditadura uruguaia expulsou-o. (Nesses dias o governo brasileiro achava que, sem ter para onde ir, ele acabaria confinado no seu país. Mal sabiam que os generais uruguaios haviam reinventado Brizola.)
Visto assim, o professor Pastor seria um esquerdista, confirmando a opinião do general Meira Mattos. Contudo, sua atuação na Casa Branca tinha menos militância do que faria supor a vã filosofia. Pastor defendia os interesses dos Estados Unidos, desastrosamente associados a regimes repressivos. Cinco meses depois da cena de Rosalynn em Recife, ele preparava a visita de Carter ao Brasil e advertia:
“O Brasil não é o Chile ou a Argentina.” Entendida essa nuance que diferenciava as ditaduras, o presidente americano cumpriu um programa frio, sem hostilizar o governo. Marcou sua posição encontrando-se com representantes da sociedade civil no Rio de Janeiro (depois de ter deixado Brasília) e oferecendo uma carona ao cardeal de S. Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Coisa de campeão: não ficaria bem encontrar um símbolo da defesa dos direitos humanos a sós, mas ficou a sós com ele no percurso da Gávea Pequena ao Galeão. Afinal, carona não é encontro.
Fonte: O Globo
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