sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Maria Cristina Fernandes: O germe do conservadorismo

• Eleitor sabe o lado que a corda, esticada, sempre arrebenta

- Valor Econômico

Uma favela de 300 famílias prestes a ser removida para um conjunto de prédios do Minha Casa Minha Vida em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, acordou, na madrugada desta terça-feira, sobressaltada com a notícia de que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) havia invadido o conjunto. A notícia não se confirmou - a invasão se dera num terreno próximo - mas foi suficiente para alarmar a comunidade que pressionou pelo reforço no policiamento do local.

A madrugada sobressaltada de Carapicuíba cabe no 0,001 de redução da desigualdade nos últimos dois anos (Pnad) e é um retrato irretocado da disputa presidencial que chega neste domingo à fase eliminatória.

No lugar que um dia foi dos sem-terra, os sem-teto são a tradução de um país que assiste ao limiar de expansão do quinhão dos mais pobres. Num artigo premonitório na véspera da eleição presidencial de 2010 (Valor, 30/09/2010) o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos vaticinava que aquela seria a última eleição da repartição de renda.

Antes das planilhas do Pnad atestarem, o eleitor que ascendeu nos últimos anos já havia percebido com lucidez que, num país sem crescimento, vai ser cada vez mais difícil fazer novos puxadinhos. Vem daí o germe do conservadorismo desta eleição.

Nenhum dos três principais candidatos se manteve imune a este germe. Aécio Neves enfrentou-o com o discurso de que a eficiência da máquina, o combate à corrupção e o fim dos subsídios à Friboi serão suficientes para garantir a manutenção da renda dos emergentes. As contas de Aécio, como a dos demais candidatos, não batem. Para chegar ao segundo turno precisará, com sua fala grave de tribuno, convencer os indecisos de que cobrará da minoria mais arraigada e aquinhoada de seus apoiadores, o que faltar para fechar as contas.

Marina Silva usou a mesma cartilha do PSDB, temperada pela legitimidade de única do páreo a ter morado em puxadinhos. De todas as ocupações dos brasileiros a única que encolheu no Brasil do petismo foi a do emprego doméstico. Foi sinalizando um país que não quer voltar atrás que a ex-empregada doméstica arrancou nas pesquisas.

A providência divina foi insuficiente para Marina enfrentar a agressividade das campanhas petista e tucana. Em menos de um mês Marina perdeu três milhões de votos para Dilma no Sul e viu dobrar para 9 milhões de votos a vantagem da candidata à reeleição no Nordeste.

De tão plural, a nova política acabou mostrando dificuldades em encontrar uma direção. De tanto criticar os partidos, custou a tomar parte. Inovou em apresentar um programa, mas não exigiu que seus assessores econômicos o lessem. A candidata quer governar com os bons. O vice, com o PMDB e os governadores.

Filiou-se a uma ilustre tradição de desmemoriados. O tucano esqueceu o que escreveu, o petista, a quem pediu dinheiro quando candidato. Marina esqueceu como votou no Senado.

Mais que o destino, parece ter sido a resistência de Marina a encontrar a ala tucana do PSB em Santos que a tirou do avião de Eduardo Campos. A predestinação tampouco foi capaz de superar a resistência da candidata a unificar as muitas alas que, aos trancos e barrancos, compõem os palanques de sua candidatura e que tanto têm lhe faltado nesta reta final.

O maior ausente deste primeiro turno tinha resistência a marqueteiros mas vivia cercado de políticos. Marina desconfia de ambos. Há de tudo no seu círculo mais próximo menos um detentor de mandato. Mantém-se favorita para chegar ao segundo turno, mas parece claro que não o ultrapassará sem a política.

Dilma Rousseff foi a que apostou mais alto no conservadorismo do eleitorado. Não há dúvidas de que a aposta extremada nesta opção implodiu pontes com setores do empresariado, do mercado e da sociedade, além de possíveis aliados, como o PSB de Marina.

A ser perseguida no provável segundo turno, a marquetagem do medo terá que mostrar fôlego suficiente para fazer valer o preço de reeleger uma presidente sob o signo do embate.

Sua recuperação na campanha seguiu os instintos com que Dilma se move na política. De maneira ainda mais aguçada do que em sua primeira campanha presidencial, nesta Dilma parece ter dado razão à crença de que, se lhe faltam credenciais para a política, sobram para a guerra. Divisa o outro se lhe parece como inimigo.

O figurino de candidata que joga no ataque, ainda terá que se provar útil até o provável segundo turno no dia 26 de outubro para ser imediatamente trocado. São outros os predicados de um presidente obrigado a mediar interesses e dirimir resistências.

Num primeiro turno marcado pelo conservadorismo do eleitor, o mudancismo encarnou-se no mercado financeiro com entusiasmo ímpar. Prova-o a oscilação dos papéis e a feérica encomenda de pesquisas que movimentou um rico e desregulamentado mercado de informações eleitorais.

Especialistas estrangeiros ouvidos pelo Valor (2/9) creditam a nova jabuticaba brasileira, as 'pesquisas clone', que reproduzem aquelas registradas no TSE com objetivo de antecipar seus resultados, ao que chamam de 'instabilidade institucional' do país. Como em outros países emergentes, essa instabilidade seria causada pelo conflito de posições sobre os rumos a tomar na macroeconomia. Na visão desses especialistas, os custos mais baixos dos consensos fazem com que as campanhas eleitorais em países de democracia mais consolidada provoquem menos volatilidade no mercado financeiro.

São as multidões a serem incluídas nos países emergentes e não a 'instabilidade institucional' que provocam dissensos entre as agremiações políticas sobre rumos a seguir. O nó não é a instabilidade, mas a desigualdade. Não se trata, como no hemisfério norte, de decidir se os cortes na educação privarão as crianças das escolas públicas de visitas semestrais a museus. Nos trópicos, a tensão pode ser medida naquele pelotão de Carapicuíba, que protege o teto de quem nunca o teve daqueles que continuam na rua e, cada vez mais, empurram o portão para entrar.

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