- O Globo
A Comissão Nacional da Verdade, apesar da denunciada falta de boa vontade da área militar para dar informações e da impossibilidade ideológica de lidar com os crimes também praticados pela esquerda revolucionária no período da ditadura militar brasileira, acabou produzindo um relatório importante, embora incompleto, denunciando como funcionava a máquina de re pressão militar, definindo a responsabilidade de cada um e dando os seus nomes quando foi possível a identificação acima de quaisquer dúvidas.
A pretensão de re ver a Lei da Anistia para punir os acusados de crimes contra a Humanidade, que nessa visão são imprescritíveis, esbarra na definição do Supremo Tribunal Federal a favor de sua validade para todos os lados em disputa. Resta, no momento, como lembrou o ministro do STF Luís Roberto Barroso, analisar se a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, posterior à do STF, de que o país está obrigado a investigar e punir os crimes da ditadura militar se impõe diante da Constituição e à decisão da nossa mais alta Corte. Por enquanto, como salientou outro ministro do STF, Marco Aurélio Mello, o que vale é a decisão de 2010 de que a Lei da Anistia não pode ser revogada. Mudança de posição devido a uma alteração de componentes — só quatro dos sete ministros que votaram a favor da manutenção da anistia estão no plenário hoje — provocaria uma in segurança jurídica inaceitável numa democracia.
A retomada da questão diante do fato novo da Corte Interamericana ser á inevitável, mas o mais prudente será que a legislação em vigor, fruto de uma negociação política ampla na ocasião, seja mantida, e os eventuais processos civis que forem gerados pelo relato da comissão fiquem a cargo dos parentes e amigos das vítimas. A comissão passou por crises e impasses até chegar ao rela tório final. Em alguns momentos, promoveu uma catarse nacional em busca da superação dos traumas causados pela ditadura militar, como alguns de seus membros imaginavam ser sua missão, mas soube preparar um rela tório que deixará registrado para a História o que foram os tempos da ditadura, além de documentos que poderão ser consultados.
Cumpriu a missão de levar à opinião pública o maior número possível de informações sobre as atrocidades cometidas pela re pressão, localizou desaparecidos, confirmou hipóteses oficializando crimes que eram mantidos nas som brase, sobretudo , tornou uma verdade oficial que "a s graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 decorreram de modo sistemático da formulação e implementação do arcabouço normativo e repressivo idealizado pela ditadura militar com o expresso objetivo de neutralizar e eliminar indivíduos ou grupos considerados como ameaça à ordem interna" . Se a verdade é, por definição inatingível, uma verdade oficial fica mais longe ainda do objetivo.
A comissão identificou cadeias de comando "solidamente estruturadas", ordenadas em escalões sucessivos, "por vínculo de autoridade, até o comando máximo da Presidência da República e dos ministérios militares". É fato que "verdades oficiais" não são nunca completas, e a busca da verdade, se limitada por questões ideológicas como foi a da comissão, acaba revelando só um dos lados em conflito. Por isso, a anistia para os dois lados parece ser a solução mais harmoniosa, principalmente depois que parte desse re lato se torna público para registro histórico , ajudando a que não se repita. No momento em que minorias radicais vão às ruas pedindo a intervenção dos militares para interromper o jogo democrático, é saudável que os crimes cometidos naquele período sejam re velados.
Tanto o rela tório da Comissão da Verdade quanto o da Comissão de Inteligência do Senado dos EUA, que detalhou os métodos de torturas utilizados pela CIA a pretexto de combater o terrorismo depois dos ataques aos EUA de 11 de setembro, fazem parte da história dos países, e têm a função de denunciar os crimes contra a Humanidade perpetrados pelas máquinas governamentais , para que sejam rejeitados e não se repitam. A condenação e proibição formal da tortura por parte de Barack Obama é um passo adiante para super ar esse trauma, embora tenha preservado seu antecessor George Bush e a CIA como instituição do Estado. Aqui, seria uma vitória da democracia se as Forças Armadas emitissem um sinal, mesmo que indireto, de que essas práticas não são aceitáveis em nossas instituições militares.
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