• Como naquela velha propaganda de vodca, nada impede que alguns dos que votaram pela cassação de André Vargas possam ir para a guilhotina amanhã
Correio Braziliense
Sem dó nem piedade a Câmara dos Deputados cassou o mandato do deputado federal André Vargas (sem partido-PR) por quebra de decoro parlamentar. No placar eletrônico do plenário, foram 359 votos favoráveis e somente um contrário, do deputado José Airton (PT-CE), além de seis abstenções. O líder do PT, Vicente Paulo da Silva (SP), o Vicentinho, encaminhou a votação a favor da cassação do ex-petista, depois de meses de manobras da sua bancada e dos aliados para evitar esse desfecho.
Vargas era o vice-presidente da Câmara, primeiro na linha de sucessão do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) no comando da Casa, mas meteu os pés pelas mãos e teve que renunciar ao cargo. Notabilizou-se ao posar de punho fechado e braço erguido ao lado do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, num protesto contra a condenação dos líderes petistas José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha no processo do mensalão. De símbolo do inconformismo petista com o julgamento da Ação Penal 470 pelo STF, tornou-se um renegado político da própria legenda, após o escândalo da Petrobras.
O ex-petista é suspeito de envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, acusado de comandar o esquema de corrupção que atuava na Petrobras. A votação que cassou o mandato do parlamentar foi aberta. Eram necessários apenas 257 votos a favor da cassação; tentou-se uma manobra regimental para evitar a decisão, mas a oposição pôs a boca no trombone e o presidente da Câmara deu sequência à sessão.
A cabeça de Vargas rolou para purgar os pecados da Câmara, num ritual que se repete a cada legislatura, desde 1993, quando houve o escândalo dos Anões do Orçamento. À época, foram cassados seis parlamentares, entre os quais o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). Quatro congressistas renunciaram, inclusive o poderoso líder do PMDB, Genebaldo Corrêa (BA), para evitar a própria cassação. Oito deputados foram absolvidos.
O escândalo do Orçamento nem chega perto do desnudado pela Operação Lava-Jato, cujo montante de desvios chega a R$ 20 bilhões. Os envolvidos roubaram cerca de R$ 100 milhões, com esquemas de propina, para favorecer governadores, ministros, senadores e deputados. Em 2000, o Supremo Tribunal Federal arquivou o processo contra Ibsen Pinheiro, já falecido, que retornou à política em 2004, ao eleger-se vereador em Porto Alegre. Em 2006, conquistou uma vaga para a Câmara dos Deputados, na qual foi recebido como grande injustiçado, pois nada foi provado contra ele.
Sem mandato, Vargas poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, ficando inelegível por oito anos. Como não se reelegeu, Vargas deixaria a Câmara no fim de janeiro, mas a maioria dos líderes resolveu orientar as bancadas a votar pela perda do mandato. Somente o PMN e o PEN liberaram seus parlamentares . Vargas não compareceu à sessão. Estava licenciado até ontem e acreditava piamente que não haveria a votação.
Efeito Orloff
Como naquela velha propaganda de vodca, nada impede que alguns dos que votaram pela cassação de André Vargas possam ir para a guilhotina amanhã. É assim que as coisas funcionam na Câmara dos Deputados, onde não existe cadeira vazia, pois há uma fila de suplentes à espera de um lugar no plenário e o maior interessado na cassação quase sempre é um colega do próprio partido.
Ontem, o relator da CPI mista da Petrobras, deputado Marco Maia (PT-RS), apresentou o relatório final. É um documento pautado pelo cinismo, pois não recomenda o indiciamento de nenhum dos envolvidos nas denúncias de corrupção. Sugere somente o “aprofundamento” das investigações na Operação Lava-Jato, que foram obstruídas pela bancada governista na própria comissão. Com 903 páginas, o relatório deverá ser votado no próximo dia 17. O prazo de funcionamento da comissão termina no dia 22, o último antes do recesso da atual legislatura. A oposição pretende apresentar um relatório paralelo para marcar posição.
Como prêmio pelo desempenho na tarefa, o presidente da CPI mista da Petrobras, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), foi indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU). O escândalo parece assunto morto e enterrado no Congresso, mas isso é um autoengano dos envolvidos. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recebeu ontem o conteúdo da delação premiada do doleiro Alberto Youssef, apontado pela Polícia Federal como um dos chefes do esquema de corrupção investigado na Operação Lava-Jato.
Com a delação em mãos, Janot solicitará ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para investigar políticos citados por delatores do esquema de corrupção que atuava na Petrobras. O que se comenta nos bastidores do Congresso é de que a maioria já frequenta o rol de processos no STF sob sigilo de Justiça. Quando os nomes se tornarem públicos, novos processos por quebra de decoro serão abertos na Câmara e no Senado.
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