sexta-feira, 10 de abril de 2015

Rogério Furquim Werneck - Danos e reparações

• Embora a capacidade de se retratar não seja exatamente seu forte, Dilma tem uma longa lista de retratações a fazer

- O Globo

O dicionário “Houaiss” registra três acepções distintas da palavra “reparação”. A primeira é “ação de restaurar ou consertar algo; reparo”. A segunda, “satisfação dada a alguém por uma falta, uma ofensa; retratação”. E a terceira, “ação de indenizar; ressarcimento”. O que torna o segundo governo da presidente Dilma especialmente difícil é sua vasta e complexa agenda de reparações, que combina, ao mesmo tempo, as três acepções da palavra.

A parte mais óbvia dessa agenda é a que diz respeito à acepção de “reparo”. Ao longo desses primeiros cem dias do novo governo, o país vem se dando conta da gravidade dos danos causados por equívocos e excessos cometidos no primeiro mandato da presidente Dilma. Já não há como ter ilusões. Em vista da devastação das contas públicas, serão necessários vários anos de penoso e persistente esforço de contenção de gastos, para impedir que a dívida do setor público continue a aumentar como proporção do PIB, e um grande esforço de restauração das bases institucionais da responsabilidade fiscal.

A inflação acumulada em 12 meses já passa de 8% ao ano. E não será fácil trazê-la de volta à meta, na contracorrente da depreciação cambial e das vultosas correções de preços que vinham sendo irresponsavelmente represados. A perda de competitividade da economia, marcada por funesta combinação de custos em alta e produtividade em queda, vem se traduzindo em necessidades de financiamento externo da ordem de 4% do PIB, que já superam por larga margem o que pode ser financiado pelo influxo esperado de investimento estrangeiro.

Em meio a tal desarranjo, o dinamismo da economia desapareceu por completo. À estagnação de 2014, deve se seguir uma recessão de bom tamanho em 2015. E, até onde a vista alcança, não há ainda perspectiva clara de retomada sustentada do crescimento econômico.

Os reparos que se fazem necessários não estão restritos à esfera macroeconômica. Há setores inteiros a reconstruir, como o elétrico e o petrolífero. A começar pela Petrobras, arruinada por uma conjunção perversa de populismo, inconsequência desenvolvimentista, predação, incompetência e corrupção. E há também fundos de pensão de estatais saqueados, bancos públicos fragilizados e governos subnacionais em estado pré-falimentar. Tudo isso compõe um desafio de reparo e reconstrução assustadoramente vasto.

Menos óbvia, mas tão ou mais problemática, é a parte da agenda de reparações que diz respeito à acepção de “retratação”. Parcela substancial dela tem a ver com retratações relacionadas ao desempenho desastroso da economia e à reconstrução que agora se faz necessária. Embora a capacidade de se retratar não seja exatamente o seu forte, a presidente Dilma tem pela frente uma longa lista de retratações a fazer. É difícil que consiga recuperar sua imagem e restaurar a confiança no governo, sem, de uma forma ou de outra, reconhecer erros e admitir que fez apostas irresponsáveis e que a manipulação eleitoreira da campanha de 2014 ultrapassou todos os limites do que poderia ser considerado razoável. Nada disso lhe será fácil.

A terceira parte da agenda de reparações, a que diz respeito à acepção de “ressarcimento”, é de caráter distinto. Não é composta de iniciativas e atitudes que o governo poderá voluntariamente tomar, na medida dos seus interesses e das suas possibilidades, mas de sanções que podem vir a ser impostas, seja ao próprio governo, seja a seus integrantes e aliados, pelos efeitos danosos de políticas e práticas adotadas ao longo dos três últimos mandatos presidenciais.

As ações judiciais que vêm sendo movidas contra a Petrobras e seus administradores, tanto no Brasil como no exterior, já permitem vislumbrar o lado mais conspícuo das desgastantes exigências de ressarcimento com que o governo poderá ter de lidar. Mas isso parece ser só o começo de um ajuste de contas muito mais abrangente, cujos desdobramentos deverão atormentar o Planalto até o fim do mandato.

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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