- O Globo
O governo não se cansa de errar na administração do setor elétrico. Agora, decidiu fazer um leilão de energia de reserva, que é sempre para momentos emergenciais, mas estabelecendo um prazo de 20 anos e um preço-teto de R$ 330. Isso faz com que o custo de um período de crise se prolongue no tempo. Pior, decidiu fazer uma exigência que só a Petrobras pode cumprir.
O leilão é para energia de termelétricas a gás. A exigência feita pelo governo é que o ofertante comprove ter suprimento de gás por 15 anos. Isso só a Petrobras tem, e ela não oferece para nenhum dos seus clientes. "Teremos então um leilão de uma energia a preços mais caros e que serão garantidos e reajustados por 20 anos e que a única ofertante será a Petrobras", diz um integrante do setor.
Se é emergência, tinha que ser por curto prazo. Dois ou três anos, e não 20. Ao fazer a exigência de uma garantia tão longa, o leilão fica direcionado para a única empresa que pode comprovar que terá suprimento por todo esse período. Aumenta o custo para o consumidor e transfere receita para a estatal, que está passando por um período de dificuldades conhecidas. O mesmo governo que desorganizou o setor em nome da modicidade tarifária, agora está trabalhando para uma tarifa mais alta. Como se já não fosse suficiente o que o consumidor passou a pagar nos últimos meses, pelo custo de uma crise produzida pelo governo com sua má gestão do setor.
A conta de luz ao consumidor subiu 60% em média nos últimos 12 meses, mais da metade disso apenas nos três primeiros meses do ano. E ainda há várias bombas de custos contratadas para os próximos anos. Uma dela, explica o presidente da Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), Carlos Faria, é a determinação do governo de que as distribuidoras comprem energia de shoppings, supermercados e outros estabelecimentos que tiverem geradores a óleo diesel e gás. Segundo Faria, o governo estimou que a capacidade de geração dessas empresas comerciais é de até 7 GW, o que corresponde a cerca de 10% do nosso parque elétrico. O problema é que o MWh desse gerador a diesel foi definido em R$ 1.420, e o gerador a gás terá custo de R$ 792 o MWh.
- Se as distribuidoras forem obrigadas a passar todo o período seco comprando a esses preços, o aumento de custos na tarifa aos consumidores será enorme, porque isso será repassado para a conta em algum momento O governo ainda não definiu o critério desse repasse. Se demorar, o custo financeiro para as distribuidoras será altíssimo. Se repassar rapidamente, a conta de luz e a inflação vão continuar subindo - disse Faria.
Outra bomba relógio de custos está sendo discutida na Justiça. As geradoras hidrelétricas estão sendo impedidas pelo ONS de usar toda sua capacidade de geração, para que isso poupe água nos reservatórios. Ao mesmo tempo, são obrigadas a entregar o que venderam. Tiveram então que comprar no mercado livre para honrar seus contratos de fornecimento. Elas pagaram bem mais alto do que puderam cobrar. Querem agora repassar essa diferença aos consumidores. Segundo a Anace, a conta pode ser de R$ 20 bilhões, pelo que foi pago no ano passado, e mais R$ 40 bi este ano.
O diretor do Instituto Ilumina Roberto Pereira D"Araújo também não vê nenhum sinal de redução nos preços da energia pelos próximos meses. O governo está adotando a estratégia de provocar um brutal aumento na conta, para que isso force a redução do consumo e diminua o risco de apagões.
- É cada vez mais comum ver empresas e indústrias eletrointensivas interrompendo a produção para vender energia - disse.
O país, neste mês de abril, está entrando no período de menos chuvas com 30,62% de água nos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste e 25,47% nos do Nordeste. Segundo Roberto D"Araújo, em anos normais, o estoque de água nos reservatórios consegue garantir 4,5 meses de consumo de energia - na hipótese de não se usar outras fontes geradoras. Em março deste ano, esse indicador, que mede a reserva de carga em meses, havia caído para 1,3 mês.
Os erros do governo na área de energia são sempre pagos por todos nós. Por isso, é preciso que o governo pare de errar. Já errou o suficiente na energia.
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