- O Globo
Quando o país estava crescendo, o mercado de crédito era uma alavanca para empresas e famílias expandirem seus investimentos e consumo. Quando o crescimento perdeu o fôlego, o crédito foi o fator que manteve o consumo em alta. Agora, na crise, ele mostra o tamanho das suas distorções. As taxas de juros cobradas em quase todas as modalidades no Brasil são uma anomalia.
A Selic é alta demais, mas ela não explica tudo. Quem olhar para as taxas estratosféricas do cartão de crédito e do cheque especial, pelos números da nota divulgada ontem pelo Banco Central, terá noção clara da falta de sentido deste mercado no país. O custo do crédito rotativo do cartão subiu de 360% para 372% de maio para junho. Ao longo de um ano, aumentou 63 pontos. A segunda taxa mais cara, que é a do cheque especial, foi a 241%, subindo 69 pontos no mesmo período. Já a taxa básica de juros, Selic, saltou de 11% para 14,25% em 12 meses. Um aumento de 3,25 pontos.
Diante desses números, os bancos sempre argumentam que essas linhas são punitivas e sobre elas incidem impostos, taxa de risco e inadimplência. Mesmo com tudo isso, não dá para explicar nem uma fração desses juros. Em outras modalidades de crédito, não punitivas, se pode ver que o custo também é exorbitante.
O crédito pessoal não consignado saltou de 100% para 111% em um ano. Para a aquisição de bens, os juros cobrados chegaram a 81% ao ano. Os bancos praticam taxas menores para a compra de veículos (24,7%), que é um bem que pode ser tomado de volta, e no consignado (27,3%), que tem desconto em folha de pagamento. Ainda assim, são números que superam muito a taxa Selic.
A inadimplência não é justificativa para o aumento dos juros. Os atrasos de mais de 90 dias das pessoas físicas no crédito livre ficaram estáveis em 5,4% em junho, mas menores do que os 5,6% do mesmo mês do ano passado. Nas pessoas jurídicas, houve um aumento de 3,5% em dezembro para 3,9% em junho, mas ainda estão baixas. Esses indicadores podem subir, porque geralmente pioram depois que o desemprego aumenta, mas, até aqui, seguem comportados.
A Selic sobe em um momento em que a economia está em recessão. A dose do remédio faz com que os juros reais sejam os mais altos do mundo. O Brasil está com uma das mais altas taxas de inflação nos países que entram em tabelas comparativas internacionais. Há países que nem entram na conta porque manipulam os dados ou não os divulgam, como Venezuela e Argentina. A Rússia é um dos poucos com inflação mais alta que os 8,9% do Brasil. Passamos à frente da Índia, da Turquia e da Indonésia, países que são reconhecidos por terem inflação elevada.
É por isso que o Banco Central subiu a Selic, mas é bom lembrar que o Copom começou a elevar os juros apenas depois que foram fechadas as urnas das últimas eleições presidenciais. De outubro para cá, foram sete altas. O remédio foi receitado com atraso e agora aprofundará o quadro recessivo. A estratégia do BC é manter nesse nível alto por tanto tempo que se consiga levar a inflação para o centro da meta no final do ano que vem. O índice de preços subiu principalmente pelo efeito do tarifaço de energia, mas o Copom tenta evitar que esse nível em que está, perto de dois dígitos, contamine toda a economia.
Um outro dado que chama atenção na nota de crédito é o descompasso na concessão entre os bancos públicos e os privados. Enquanto o sistema financeiro privado nacional tem sido mais seletivo, com aumento de 3,3% no seu saldo de empréstimos em 12 meses, os bancos públicos cresceram 14,3%. No primeiro semestre, houve encolhimento de 1% no saldo dos bancos privados e alta de 5,1% nos bancos públicos.
O estoque de crédito sobre o PIB ficou em 54,5% em junho, com alta de 0,1% sobre o mês anterior. Mas o percentual é menor do que em dezembro, 54,7%. O crédito subiu bastante nos últimos anos e agora não tem capacidade de continuar aumentando no mesmo ritmo. As famílias não têm condições de se endividar mais em período de encolhimento dos salários, da renda disponível e do emprego. Principalmente não podem tomar mais empréstimos com taxas de juros tão despropositadas quanto as praticadas no mercado bancário brasileiro.
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