Rombo histórico
Martha Beck – O Globo
• Governo tem déficit primário de r$ 1,6 bi, resultado negativo inédito para um 1º semestre
Contas que não fecham
BRASÍLIA - Uma combinação perversa de queda nas receitas e aumento das despesas levou o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) a registrar um déficit primário de R$ 1,597 bilhão no semestre. Foi a primeira vez que o governo encerrou os primeiros seis meses de um ano com resultado negativo, ou seja, gastos maiores do que a arrecadação. A conta não inclui os desembolsos para pagar juros da dívida pública. Um dos fatores que contribuíram para o desempenho foi o déficit primário de R$ 8,205 bilhões do mês passado, o pior para um mês de junho de toda a série histórica do Tesouro, iniciada em 1997.
Ao comentar os números, o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, destacou que a arrecadação vem sofrendo queda expressiva, mas ressaltou o esforço do governo para conter gastos.
- É o pior resultado da história em junho, mas isso não significa que o governo está relaxando a política fiscal. Não é o resultado que gostaríamos, mas vamos trabalhando no dia a dia. O governo vem tomando as medidas necessárias para a reversão desse quadro - disse o secretário.
"Governo está despedalando"
Ontem, foi publicado o decreto que corta R$ 8,6 bilhões nas despesas deste ano. O péssimo desempenho das contas públicas levou a equipe econômica a enviar ao Congresso, na semana passada, um projeto propondo a redução da meta de superávit primário de 2015. Na proposta, a economia do setor público consolidado (inclui também estados, municípios e empresas públicas) para o pagamento de juros da dívida foi reduzida de R$ 66,3 bilhões, ou 1,19% do Produto Interno Bruto (PIB), para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB. A meta do governo central baixou de R$ 55,3 bilhões (0,99% do PIB) para R$ 5,8 bilhões (0,1% do PIB). Já a dos estados e municípios caiu de R$ 11 bilhões para R$ 2,9 bilhões (de 0,2% para 0,05% do PIB).
Segundo relatório divulgado ontem pelo Tesouro Nacional, as receitas da União somaram R$ 81,137 bilhões em junho, valor que representa uma queda real (descontada a inflação) de 5% em relação a igual mês do ano passado. Já no primeiro semestre deste ano, o total arrecadado pelo governo federal foi de R$ 513,301 bilhões, 3,3% menos do que nos primeiros seis meses do ano passado.
As despesas, por sua vez, continuaram a subir. Em junho, chegaram a R$ 89,343 bilhões e cresceram 2,1% sobre igual mês de 2014. No período janeiro-junho, os gastos somaram R$ 514,899 bilhões, o que significa uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro semestre do ano anterior.
As despesas com subsídios e subvenções mais que dobraram: foram de R$ 5,48 bilhões em 2014 para R$ 11,45 bilhões este ano, ou seja, R$ 6 bilhões ou 108,9% a mais. Saintive explicou que esse crescimento faz parte de um esforço da equipe econômica para colocar em dia pagamentos postergados nos últimos anos.
Para o economista da consultoria Tendências Fábio Klein, apesar do resultado negativo de junho, o crescimento dessas despesas é um sinal positivo de que a equipe está trabalhando pela transparência e pela credibilidade das contas.
- Estão resolvendo o passivo de anos anteriores. Isso impactou os gastos, mas é um sinal positivo de que o governo está "despedalando" - afirmou Klein, numa referência às pedaladas fiscais, pagamentos postergados pelo governo.
A conta do governo em 2015 também foi pressionada pelas despesas com a Previdência Social, que subiram de R$ 196,8 bilhões em 2014 para R$ 204,3 bilhões, aumento de R$ 7,5 bilhões, ou 3,8%. Por outro lado, houve queda de R$ 1,5 bilhão nos desembolsos com pessoal e encargos sociais, e de R$ 3,2 bilhões no auxílio à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para custear tarifas subsidiadas.
- As despesas seguem à risca todo o decreto de programação financeira, o que dá previsibilidade sobre o que pode ser pago - explicou o secretário do Tesouro.
O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, disse que o resultado até junho comprova que a equipe econômica acertou ao propor uma redução da meta fiscal de 2015. Segundo ele, mesmo que o esforço fiscal de 0,15% não seja atingido, o número terá credibilidade.
- Alguns viram com maus olhos a mudança na meta de 2015, mas isso foi um sinal de transparência. O ministro Joaquim Levy não vai fazer um ajuste de forma quantitativa, mas qualitativa.
Klein, da Tendências, reforçou:
- A nova meta é mais realista. Mostra que o cenário estava ruim mesmo e que não havia condições para uma meta de 1,19% do PIB. Este ano será para fazer uma faxina e colocar a casa em ordem.
Meta pode ter abatimento
Saintive explicou que o governo não trabalha com a possibilidade de usar a cláusula de abatimento de R$ 26,4 bilhões da meta do ano. Pela proposta enviada ao Congresso, a equipe econômica poderá descontar esse montante do resultado, caso haja frustração em algumas receitas. Na prática, isso permite que o governo termine o ano com déficit de R$ 17,7 bilhões.
Para o economista da Tendências, no entanto, é quase certo que o governo terá que usar a cláusula, pois ele está muito dependente de receitas extraordinárias para realizar a meta de 0,15%.
Ontem, Saintive mencionou por diversas vezes que o governo está trabalhando para conter gastos, mas ressaltou que há uma rigidez orçamentária. E seguindo o discurso de Levy, defendeu um debate na sociedade sobre os gastos obrigatórios:
- Existe rigidez nos gastos públicos. Nosso orçamento tem despesas muito rígidas, e a capacidade do governo de conter gastos é nas discricionárias, que foram reduzidas em 4,4% em junho de 2015 (contra junho do ano passado). (&) O Brasil precisa discutir um pouco a rigidez das despesas obrigatórias. Isso pode ser uma agenda que pode virar um bom debate para a sociedade brasileira.
Sobre a possibilidade de o Brasil perder o grau de investimento (selo de bom pagador) o secretário disse que o governo não projeta esse cenário:
- Não trabalhamos com redução da nossa avaliação pelas agências de Rating . O esforço fiscal permanece. O quadro fiscal é delicado, mas existem várias medidas que podem ser implementadas para o Brasil manter o Investment grade .
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