sexta-feira, 31 de julho de 2015

Rogério Furquim Werneck - Dilma, no final das contas

- O Globo

• A presidente da República, afinal, percebeu quão caras podem lhe sair as lambanças fiscais de 2014

Há poucos meses, ao se dar conta das reais proporções da devastação fiscal ocorrida no primeiro mandato da presidente Dilma, o país foi levado a crer que os danos poderiam ser reparados num par de anos. Submetido a novo choque de realidade, contudo, constata agora que os desdobramentos da devastação fiscal deverão ser muito mais custosos e prolongados do que supunha.

No embate que se travou dentro do governo, prevaleceu, como se temia, a ideia de um ajuste fiscal bem menos ambicioso do que o que fora prometido. Como isso deverá implicar elevação persistente e substancial da dívida pública como proporção do PIB, é bem provável que o país perca o grau de investimento. E que tenha de enfrentar condições muito mais adversas para reconstruir a economia e retomar o crescimento.

É nesse clima de desalento com as perspectivas da economia e de indignação com as enormes dificuldades de reparar os danos da devastação fiscal dos últimos quatro anos que as contas de 2014 da presidente Dilma deverão ser apreciadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, em seguida, pelo Congresso.

Os problemas que a presidente vem enfrentando no TCU decorrem, em boa medida, de lambanças cometidas no calor da campanha eleitoral, para dissimular, a qualquer custo, a gravidade da deterioração das contas públicas. Tendo deixado de repassar às instituições financeiras federais recursos suficientes para bancar as transferências governamentais pagas por essas instituições, o Tesouro apelou para as chamadas pedaladas fiscais. Para não sustar os pagamentos das transferências, permitiu-se “entrar no cheque especial”, ou seja, contrair dívida com as instituições financeiras que controla, o que é estritamente vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

As pedaladas fizeram parte de uma operação de dissimulação mais ampla, cuidadosamente concertada. Em agosto de 2014, enquanto o ministro Guido Mantega continuava reiterando o compromisso do governo com a meta de superávit primário de 1,9% do PIB, dirigentes das instituições financeiras federais já não escondiam sua preocupação com os montantes dos saldos em vermelho nas contas do Tesouro (“Folha de S.Paulo”, 17 e 22/8/2014). A farsa seria mantida por dois meses mais. Às vésperas do primeiro turno da eleição, o então secretário do Tesouro, Arno Augustin, “muito satisfeito” com a “bem-sucedida” política fiscal, continuava asseverando que a meta de 1,9% do PIB ainda seria cumprida (“Estadão”, 1/10/2014).

Reeleita a presidente Dilma, em segundo turno, a desatinada operação de dissimulação pôde, afinal, ser desmontada. O que se seguiu foi bem sintetizado pelo título de uma matéria do “Estadão” de 1º/11: “Governo para de ‘pedalar’ e gastos disparam”. Quando as reais dimensões do rombo fiscal de 2014 foram, por fim, conhecidas, constatou-se que, em vez de um superávit primário de 1,9% do PIB, o setor público gerara um déficit de 0,6% do PIB.

Desde que a LRF foi promulgada, em 2000, jamais se vira descalabro fiscal parecido. Pelo vulto que adquiriram, as pedaladas foram cruciais para esconder do eleitorado as reais proporções do desastre.

Alega agora o governo que o tamanho da violação não importa. E que, no passado, o TCU fechou os olhos para irregularidades similares. Agarrando-se ao formalismo de quem acredita que merece a mesma condenação quem rouba um pão ou um bilhão, a Advocacia-Geral da União (AGU) argui que “usar o cheque especial não tem nenhuma relação com o volume, mas com o fato de usar o cheque especial”. E que, “se for para revisar o passado, temos de condenar todo mundo, todos os governos anteriores” (“Estadão”, 24/7).

Temendo o pior, a AGU quer pautar a decisão do TCU: “Não há uma avaliação de conduta aqui, mas das contas. Não é possível responsabilizar a presidente” (“Estadão”, 23/7). Mas, tendo em vista quem se beneficiou com as pedaladas e o desolador atoleiro fiscal em que o país foi metido, será difícil convencer o tribunal — e, mais ainda, o Congresso — de que a conduta da presidente não vem ao caso.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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