• Para Carlos Melo, do Insper, agosto terá “abraço de afogados” de líderes políticos
Por Diego Viana - Valor Econômico / Eu &Fim de Semana
Com o fim do recesso parlamentar na semana que vem, as turbulências políticas que o governo federal enfrentou no primeiro semestre tendem a voltar, com o reforço de uma situação econômica deteriorada e a ofensiva da Polícia Federal sobre líderes políticos. Acuado por uma popularidade baixíssima, a perda de alianças políticas e dados financeiros desesperadores, o governo da presidente Dilma Rousseff vive o começo do segundo mandato em "espiral negativa", passando de crise em crise, nas palavras do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, em São Paulo.
Para Melo, em agosto as principais lideranças políticas, envolvidas em denúncias de corrupção e disputando o espaço limitado do "presidencialismo de coalizão", tendem a se envolver no "abraço de afogados" em que um puxa o outro para baixo na tentativa de se salvar. Em paralelo, a inabilidade na articulação do governo produz reflexos no humor do mercado, reforçando a derrocada econômica e alimentando as tensões políticas.
Valor: Pela sua descrição do presidencialismo de coalizão, quando um partido consegue seu quarto mandato, como agora, pode cair num impasse insolúvel. O impasse atual é insolúvel?
Carlos Melo: O presidencialismo de coalizão é um arranjo útil quando o governo tem o que oferecer. No primeiro mandato, há mais de 25 mil cargos para distribuir. No segundo, o Executivo se vê obrigado a ceder as "joias da coroa", os cargos nas estatais - "e não pode ser qualquer um, não; tem que ser aquela diretoria que faz buraco e encontra petróleo", na singeleza cortante de Severino Cavalcanti. No terceiro mandato há pouco a ceder e o colapso começa a se desenhar. O primeiro ano de Dilma, terceiro mandato do PT, expressou isso. Dilma não fez "faxina". O que ocorreu foi um enorme conflito distributivo fisiológico. No quarto mandato, já se deu tudo, inclusive a saúde fiscal do governo, e a voracidade fisiológica não cessa. A dinâmica passa a ser predatória: a base é o lobo do governo. Dilma sonhou conter esse processo promovendo um fracassado realinhamento político-partidário no Congresso. Imaginou que o PSD, o PROS, a bancada ruralista, com a ministra Kátia Abreu [Agricultura], e os evangélicos, a partir do PRB, bastariam. Primeiro, para derrotar Eduardo Cunha na disputa pela presidência da Câmara. Depois, para estabelecer um novo alinhamento. Foram alguns de seus muitos erros: entender as bancadas ruralista e evangélica como um agregado coeso, e imaginar que o PMDB não compreenderia o jogo. Sim, o impasse é insolúvel.
Valor: O senhor imagina alguma saída possível?
Melo: Mais valeria assumir uma posição de maior coragem. Admitir que, como no jogo de dominó, houve um "fecha natural" [sem mais pedras para jogar] e a solução é começar novamente. Essa politização franca precisaria ser feita na campanha eleitoral, colocando o problema para a sociedade. Expor o modelo e propor nova aliança alicerçada num programa, inclusive em relação à necessidade do ajuste. Dilma e seus marqueteiros fugiram disso durante a eleição. Como no dominó, primeiro é preciso admitir que o jogo fechou, virar as peças e fazer uma nova distribuição. Quem será capaz de fazer isso é que é o xis do problema.
Valor: Agosto promete ser turbulento. Além da volta de um Congresso hostil ao Executivo, o protesto marcado contra o governo poderá ser muito grande. A economia só dá sinais negativos, a começar pelo desemprego. O próximo mês será decisivo para a política brasileira?
Melo: O plano de Dilma e do ministro [da Fazenda, Joaquim] Levy passava por ajuste tão profundo quanto rápido, que restabelecesse a confiança e estimulasse o investimento. Não apenas isso não se deu como até se agravou: o descontrole do Congresso aprofundou a desconfiança; a Operação Lava-Jato colocou o PT e o Executivo nas cordas; a inabilidade do governo ficou patente. Não houve alinhamento nem no governo: Levy virou Judas em Sábado de Aleluia e Dilma foi andar de bicicleta, numa atitude de total alheamento. Os índices econômicos pioraram e o governo entrou em espiral negativa.
Valor: E daqui por diante?
Melo: Seria importante resgatar a confiança, esboçar um choque de credibilidade. Mas não se sabe mais por onde. As esperanças do governo são frágeis: crer que a desgraça pessoal de Eduardo Cunha vai salvá-lo é ilusão. Cunha, Renan [Calheiros] e boa parte do Congresso estão premidos pela Operação Lava-Jato e pelo Ministério Público. Não há como cessar o processo e não haverá acordo. Aliás, um acordo entre envolvidos, um conchavo, só mobilizaria ainda mais a opinião pública. O mais provável é que presenciemos um "abraço de afogados": na ânsia de se salvar, um ator puxa o outro para o fundo do rio. Isso pode se dar em agosto ou na sequência do processo, com o agravamento da crise econômica, o aprofundamento da Lava-Jato, o conflito interno do PT e também do Congresso. Só a liderança política poderia conduzir o processo para algo menos turbulento. Mas esse é nosso maior problema: uma avassaladora crise de liderança política, com "L" e "P" maiúsculos.
Valor: Fala-se em impeachment desde o começo do ano, mas por enquanto não há evidência que atinja diretamente a presidente. Na atual conjuntura institucional, é concebível uma derrubada da presidente se os protestos se expandirem, independentemente de provas contra ela?
Melo: Não há nada que me permita afirmar que a presidente estaria comprometida moral e judicialmente com os escândalos. Até que se prove o contrário, ela está limpa. Mas o impeachment não é processo moral ou jurídico. É político. Às vezes, exclusivamente vinculado às condições de governabilidade. Forças econômicas, sociais e políticas se movem em razão dos seus interesses. A plasticidade jurídica ou pureza dos processos eleitorais, ainda que legítimos, podem ser mandadas às favas. É péssimo que isso ocorra, mas não pode ser descartado. Na medida em que o governo não consegue expressar capacidade de reação, a pressão para cima do Congresso tende a aumentar, e muito, deixando a fragilidade da presidente ainda mais patente. A partir daí, seria "achismo". Não dá para imaginar o desenlace apenas pela magnitude do conflito: mais escuridão no fim do túnel.
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