• O texto aprovado na Câmara eleva em mais de 100% a taxação para a maioria dos setores beneficiados, mas abre exceções
Erich Decat, Ricardo Brito e Vitor Martins - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - No centro das negociações de um pacto de estabilidade político e econômico, integrantes da cúpula do PMDB articularam ontem com um grupo de 44 empresários próximos ao partido o aumento de impostos para 56 setores por meio da reoneração da folha de salários. O projeto que acaba com a política de desoneração da folha em vigor entre 2011 e 2015, cuja votação estava prevista para a tarde de ontem no plenário do Senado, volta nesta quarta-feira, 19, à mesa de negociações. O governo previa economizar R$ 12,5 bilhões com o fim das desonerações.
O texto aprovado na Câmara eleva em mais de 100% a taxação para a maioria dos setores beneficiados, mas abre exceções para transportes, call centers, comunicações e têxteis e calçados. Esses segmentos foram preservados e deverão ter um tratamento diferenciado. O PMDB quer ampliar os setores preservados dos efeitos do projeto considerado fundamental para o ajuste fiscal conduzido pelo governo federal.
Uma frente de empresários, liderados pelo presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, defendeu ontem a aprovação no Congresso de uma proposta de reoneração linear para todas os setores com um aumento menor, de 50% apenas. Haveria uma única exceção para os produtos da cesta básica. "Não estamos atrás de facilidades, estamos atrás do interesse do Brasil. O difícil é enfrentar o desemprego e desestimular as empresas", afirmou Skaf.
Adiamento. O relator da proposta, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que quer discutir com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a eventual ampliação das desonerações para mais setores. Para evitar a aprovação do texto sugerido pela Fiesp, Levy teve de entrar em campo e pedir a Eunício o adiamento da votação. "Estou fazendo uma discussão para tentar ampliar, mas nunca para restringir o número de setores", afirmou Eunício. "Pode não mudar nada."
Ele rechaçou um acordo com o governo para mudar a redação do projeto. Inicialmente, o objetivo era dar à presidente Dilma Rousseff a opção de fazer vetos "cirúrgicos", atingindo apenas os setores que receberam tratamento diferenciado.
A decisão de adiar a votação para esta quarta-feira foi tomada após rodadas de reuniões entre lideranças do PMDB e empresários de diferentes segmentos que desembarcaram no início da manhã em Brasília. O primeiro encontro do grupo ocorreu na residência oficial do vice-presidente da República e articulador político, Michel Temer, ocasião em que foi pedido o apoio na aprovação de algumas mudanças na proposta.
No encontro, realizado a pedido do presidente da Fiesp, Temer sinalizou apoio às demandas dos empresários. O peemedebista disse, porém, que qualquer avanço nas negociações ainda dependeria do aval do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e de Eunício Oliveira.
Risco. Doze dias antes de demonstrar concordância com as demandas dos empresários, Temer recebeu apoio da Fiesp, após a polêmica declaração de que era preciso de "alguém" capaz de reunificar o País. Na ocasião, considerado como um dos momentos de maior instabilidade política do governo Dilma Rousseff, a Fiesp lançou um manifesto em prol da governabilidade do País.
No centro das negociações da proposta de desoneração, a última do pacote de ajuste fiscal encaminhado pelo governo ao Congresso, lideranças do PMDB têm sinalizado que será mantido o texto encaminhado pelos deputados. Há o entendimento de parte da cúpula do governo e do partido de que qualquer alteração no texto implicará a devolução do projeto à Câmara e, com isso, deverá ser aberto novamente o balcão de negociação em que novos setores também poderão ser beneficiados no rol de exceções.
As negociações dos senadores foram acompanhadas por Joaquim Levy, que esteve ontem em São Paulo. "A gente está acompanhando. Eu acho que diminuir essa renúncia, esse dinheiro que o governo tem dado para algumas companhias, é importante, porque hoje o dinheiro está escasso", afirmou o ministro.
Manifesto. A conclusão da discussão da última proposta do ajuste fiscal do governo pode ocorrer esta quarta-feira, quando está prevista a divulgação de um manifesto promovido por entidades de vários setores a favor de um pacto pela governabilidade. Segundo uma fonte que participa da elaboração do documento, a carta não deve dizer claramente que é contra o impeachment, mas pedirá que se cumpra a Constituição.
"Partindo-se do pressuposto de que nenhum crime ocorreu, será pedido que se cumpra a Constituição, ou seja, não cabe impeachment", disse. O documento, no entanto, não será omisso aos problemas e ao cenário político e econômico. "A ideia é morder e assoprar", ponderou essa fonte. O empresariado e as entidades resistem a uma declaração que se coloque tão explicitamente favorável ao governo porque havia se instaurado um clima de que todos eram obrigados a aderir ao movimento de apoio.
"Ninguém queria ser obrigado a nada", observou. Entre os autores do manifesto estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as confederações nacionais da Indústria (CNI), da Agricultura e Pecuária (CNA) e dos Transportes (CNT).
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