• Dilma pôs o rosto fora d'água, mas ficou na correnteza
- Valor Econômico
Cresceram em número e qualificação as vozes a defender a renúncia da presidente Dilma Rousseff, em lugar do impeachment. A renúncia, uma iniciativa pessoal, é considerada menos traumática, quando o impeachment, até amadurecer, representa um forte stress para as instituições. Não que seja impossível fazer o impeachment, acreditam os políticos, mesmo os que o veem como uma medida de difícil execução.
Existe uma crença que um fato o simplificaria: com as ruas pressionando nos próximos meses os seus representantes, os deputados votarão o impeachment, tangidos pela evidência da perda de condições de governar da presidente, da perda da legitimidade derivada da extrema desconfiança de que conseguirá conduzir o país.
A renúncia, não. Pode parecer apelativo, mas desde ontem usa-se o argumento de que até o papa Bento XVI renunciou quando se sentiu sem condições de levar adiante seu papado. Não foi demérito para ele, ao contrário, cresceu aos olhos de seus liderados. A comparação tem surgido naturalmente nas conversas da oposição, até pela analogia com uma espécie de Operação Lava-Jato que o papa enfrentava no Vaticano, à época da renúncia, sem forças para continuar governando.
A oposição volta sua ação para o afastamento da presidente, que considera inevitável, seja pelo clamor à renúncia, seja pela pressão das ruas sobre a Câmara, pelo impeachment. Sobressaiu o apelo pela renúncia do até agora contido e moderado ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O PSDB declarou seu apoio ao impeachment caso a Câmara o coloque em votação, pela voz do senador Aloysio Nunes Ferreira. O senador e ex-governador José Serra disse que Dilma não tem condições de terminar seu mandato, e ao comparar a atual com outras crises políticas deu supremacia a essa, sem tergiversar. Outros partidos de oposição, além de alguns governistas também, têm discutido o assunto e pelo menos um deles não vê obstáculos à aprovação do afastamento da presidente na sua grande bancada.
Como subiu essa onda, da qual emergem os políticos, sem constrangimento, e vem crescendo desde domingo, se o que havia até então era uma concertação na sociedade organizada, com participação de empresários, políticos, mídia, governadores, prefeitos, banqueiros, para melhorar o ambiente e permitir que Dilma Rousseff, em renovado ímpeto, tentasse reiniciar seu governo?
Primeiro, nos gestos de união nacional, já estava a evidência que aquilo era uma tentativa. A situação do governo vivendo tripla crise política, econômica e moral, era dificílima. Depois, uma reavaliação das manifestações impressionou alguns congressistas, e a sua constatação óbvia de que elas, de forma repetida, poderiam dar à Câmara o impulso que o governo torce, espera e confia que não tenha para instalar o processo de impeachment.
Em terceiro lugar, e mais importante no momento, nota-se uma frustração precoce com a arrancada da presidente Dilma para aproveitar o oxigênio obtido com o apoio dos vários setores envolvidos na concessão de mais uma chance.
Evidentemente que a renúncia é um ato unilateral, e a presidente Dilma já disse com todo o seu vigor que não renuncia. Tem temperamento para sustentar isso até o fim. Porém, estão presentes nas avaliações dos políticos exemplos de momentos em que a renúncia deixa de ser um ato de vontade e passa a ser a única saída. É esperar para ver quantas vezes essa nuvem ainda vai mudar até a presidente perder sua convicção.
Dilma Rousseff não é de todo desprovida de sensibilidade política, embora pareça. Não se sabe porque, entretanto, tendo recebido um apoio inédito, uma rede formada com tão especiais protagonistas, está deixando a oportunidade lhe escapar. A esta altura da sua situação política e da derrocada do seu governo não pode ser por mera teimosia. Mas, é fato, está incidindo nas mesmas esquisitices.
O governo tem um coordenador político, apesar de este não ser o melhor momento da sua confiança nele. Mas é o vice-presidente, não pode ser demitido e, portanto, tem mais flexibilidade de atuação e destemor, a esta altura das dificuldades. Michel Temer não participou da reunião de avaliação das manifestações, na noite de domingo, quando um comitê de petistas cercou a presidente, mas participou da reunião de coordenação política da manhã de segunda-feira. Quem foi o porta-voz das avaliações do governo e dos recados à sociedade, porém, foi Edinho Silva, o ministro com assento no Palácio do Planalto que, como tesoureiro da campanha da presidente à reeleição, não pode estar confortável em função de linha de frente, estando citado na Operação Lava-Jato.
O governo precisa se defender, mas não tem tropa. Insiste nos erros de avaliação da política que comete desde a eleição. E não sabe como tomar iniciativas.
Governadores e prefeitos são também entes da política, e é nesse campo que esperam ser tratados. A presidente não tem dado a eles a atenção devida diante das dificuldades que já lhe apresentaram. Não vai dar para considerá-los no rol dos apoios líquidos, sem inclui-los para valer nas discussões. Dilma colocou o rosto fora d'água, mas não saiu da correnteza.
A constatação é que a concertação que permitiria a ela a retomada saiu da agenda do impeachment, mas não saiu da agenda da oposição.
Autodefinição: diante da curiosidade sobre como mantém tanta segurança, serenidade e calma estando no meio da tempestade, o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, se explica. "Estou muito tranquilo, muita segurança das decisões que tomo e de todo esse processo. Eu não me abalo."
Sobre a organização de seus passos, que transparece sem esforço, diz: "Essa é uma das razões do meu sucesso. Organização, saber separar bem as coisas, agir desse jeito. A política é uma ciência inexata, depende mais de conversa, de articulação, de estratégia e de instinto. O problema todo é conseguir juntar essa parte abstrata da política com a parte pragmática, cartesiana, do processo em geral. Tento juntar as duas coisas. Isso de certa forma é que me dá um diferencial".
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