• Receita tributária caiu mais que o ciclo, criando impasse fiscal
- Valor Econômico
A equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, formulou um plano para tirar o Brasil do atoleiro, inspirado nas experiências de 1999 e 2003. Nos três casos, tirar do atoleiro significa reequilibrar as contas públicas e controlar a inflação, de forma a resgatar a confiança de consumidores e empresários, fator crucial para a recuperação da economia. Levy e seus comandados não contavam, porém, com um fato perturbador: a atividade econômica está tão fraca, mas tão fraca, que a arrecadação de tributos federais está claudicante e inviabilizando, por essa razão, o ajuste fiscal.
Graças ao peso de tributos incidentes sobre o faturamento das empresas, o sistema tributário brasileiro tem um forte viés pró-cíclico. Independentemente da geração de lucros, a receita desses tributos cai ou aumenta de acordo com o ciclo econômico. No recente período de expansão acelerada da economia (2004-2010), a arrecadação de tributos como Cofins e PIS explodiu, em grande medida porque o modelo de crescimento do PIB se baseou no consumo.
No período mencionado, o setor de serviços, segundo o IBGE, foi o que mais cresceu - média anual de 4,41%, ante 2,74% da agropecuária e 3,92% da indústria (sim, o setor industrial brasileiro teve crescimento robusto naquela época; a debacle, na verdade, começou em 2012). Nos últimos quatro anos, serviços começaram a desacelerar e neste ano, segundo projeção do banco Safra, deve fechar com contração real de 1,6%.
A equipe do banco Credit Suisse projeta contração de 4,3% na massa salarial em 2015. O consumo das famílias deve terminar o ano com queda de 1,9%, o primeiro resultado negativo desde 2003. Esse desempenho está derrubando as vendas do varejo e, consequentemente, a arrecadação de impostos.
Os números divulgados ontem pela Receita Federal são reveladores. De janeiro a julho, a arrecadação da Cofins e do PIS/Pasep pelo comércio varejista caiu, em termos reais, 10,21% em relação ao mesmo período do ano passado. Em outros setores da economia que também experimentaram um boom no período recente, como o de fabricação de veículos automotores (-10,09%), construção de edifícios (-19,31%), obras de infraestrutura (-25,82%) e produção de máquinas e equipamentos (-13,74%), o desempenho das duas contribuições foi ainda pior.
A arrecadação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido também dá uma ideia de como anda a atividade econômica no país. No comércio varejista, caiu 8,82%, em termos reais, entre janeiro e julho. No segmento de fabricação de bens de capital, a queda foi de 36,2% e, no da construção de edifícios, de 15,22%.
Os números revelam em sua inteireza o desafio enfrentado por Joaquim Levy, que, assim como o atual secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, integrou a equipe econômica que promoveu o ajuste de 2003. Naquela ocasião, o governo, como agora, carecia de credibilidade, mas o sucesso do ajuste gerou, em primeiro lugar, confiança do mercado na equipe comandada pelo então ministro Antonio Palocci e, em seguida, no próprio governo.
A conquista de credibilidade fez com que a economia voltasse a crescer já no terceiro trimestre de 2003, inaugurando um longo ciclo de expansão, interrompido apenas pela crise mundial de 2009. Foi a confiança que levou os empresários, naquele período, a contratar trabalhadores que integravam, há anos, uma espécie de exército de reserva. Em última instância, foi o que permitiu reduzir de forma drástica a taxa de desemprego.
Levy e sua equipe assumiram sob grande expectativa porque ninguém duvida de sua capacidade intelectual. Ele assumiu a Fazenda com o compromisso de mudar a orientação fiscal. As tarefas incluíam reduzir o quasi-fiscal (as vultosas transferências de recursos do Tesouro para financiar empréstimos subsidiados do BNDES), ajustar a despesa, reverter algumas medidas anticíclicas adotadas desde 2008, reintroduzir em algumas modalidades a cobrança de impostos regulatórios como o IOF e a Cide e adotar medidas de caráter estrutural, como a revisão das regras de concessão do seguro-desemprego, da pensão por morte e do abono salarial.
Tudo isso foi encaminhado, mas se mostrou insuficiente para gerar os recursos de que o governo necessita para cumprir a meta original de superávit primário em 2015 - de 1,1% do PIB, reduzida para 0,15% do PIB. "O problema é que a receita tributária caiu mais que o ciclo, o que indica que muitos contribuintes deixaram de pagar", explicou um economista oficial, lembrando que, para as empresas, é mais barato postergar o pagamento de impostos. O adiamento é explicado também por dificuldades de caixa. "Foi positivo mudar a meta? Não. O mercado reagiu mal", observou.
Não se trata aqui de comparar as circunstâncias atuais com as dos ajustes de 1999 e 2003. Naquelas ocasiões, o mundo ajudou o Brasil. O forte crescimento global aumentou o apetite por produtos brasileiros. Além disso, a taxa de câmbio depreciou muito mais que a de outras moedas, elevando a competitividade das exportações. O momento atual é agravado também por uma crise política, cujo desfecho é imprevisível, o que torna o ambiente para consumir e investir ainda mais nebuloso.
De qualquer forma, uma coisa é certa: o ajuste fiscal proposto, embora tenha méritos, não funcionou como elemento de reconquista da credibilidade perdida. Sem confiança, os empresários não voltarão a investir e os consumidores, a tirar dinheiro do bolso. Nesse ambiente, quando o país voltará a crescer? As expectativas captadas pelo boletim Focus, do Banco Central, já preveem recessão também em 2016.
O Brasil parece preso, neste momento, a um ciclo vicioso. Está sem rumo. O ideal seria o governo mudar a estratégia antes que seja tarde demais. O risco é trilhar a rota do populismo econômico, como fizeram os vizinhos Argentina, Venezuela e Equador, ou optar pelo caminho da inflação de dois dígitos, uma não solução. Ao que se sabe, pelo menos um ministro influente já defende a ideia, dentro do governo, do crescimento a qualquer preço para resolver o impasse fiscal.
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