- Valor Econômico
A Lava-Jato acabou com a fiança no mercado dos acordos políticos. Aquilo que era acertado à noite em Brasília era desfeito de dia em Curitiba. O desmembramento da operação, decidido ontem no Supremo Tribunal Federal, devolve fiança ao mercado. Os acordos a serem alinhavados a partir de agora tanto podem aumentar as chances de a presidente Dilma Rousseff permanecer no cargo quanto limitar a refundação das relações entre o público e o privado pretendida pela força-tarefa de Curitiba.
Desde que a operação começou, políticos, advogados e empresários se perguntavam quando seria passada a régua que limitaria o acerto de contas do país com o passado. A exposição de muitos bancos a operações de crédito a empreiteiras envolvidas na Lava-Jato nunca deixou de estar em pauta, apenas ficou em segundo plano com o rebaixamento do país pela Standard & Poor's.
Ao desmembrar o processo, a começar da primeira instância em São Paulo, o Supremo traça uma linha sinuosa que terá o contorno que cada força-tarefa a ser montada nos Estados dará. Sergio Moro certamente não é o único juiz do país a ser movido por preocupações republicanas, mas os três Estados do Sul são os únicos aparelhados a dar plena publicidade ao processo. O acesso eletrônico aos despachos, decisões e oitivas da Lava-Jato ampliaram os desdobramentos e as dimensões do processo e reduziram a eficácia dos embargos auriculares que viciam a justiça brasileira.
A decisão do desmembramento foi precedida do pedido da Polícia Federal ao Supremo para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva depusesse no processo. Afastado da sucessora desde o anúncio do último pacote de medidas sobre as quais não foi consultado, o ex-presidente voltaria, a partir daquele dia, duas vezes a Brasília. Do roteiro de Lula, que não foi tornado público, apenas se sabe que não se restringiu ao Palácio da Alvorada.
O desmembramento também foi precedido pela reaproximação do operante advogado de todas as cortes, Nelson Jobim, do governo. O ex-ministro vinha atuando como principal articulador das empreiteiras na operação Lava-jato ao ser nomeado pela presidente Dilma Rousseff como observador brasileiro nas eleições venezuelanas em dezembro. O país é alvo das preocupações tanto do governo quanto das mesmas empreiteiras da Lava-jato que lá têm investimentos.
A movimentação deixou em alerta os procuradores, que fizeram de Carlos Fernando Lima o porta-voz de suas preocupações. Se a Polícia Federal e o Ministério Público terão como exportar o 'know-how' da Lava-Jato no mapa redistribuindo os procuradores para disseminar força-tarefas pelas comarcas, o juiz Sérgio Moro não tem as mesmas prerrogativas. Sem um juízo que respalde as ações do MP e da PF, a operação, em muitas praças, corre o risco de purgar os vícios da primeira instância.
À concentração do processo em dois juízes, Teori Zavascki e Sergio Moro, correspondeu também o afunilamento das pressões em torno do desfecho da crise que empareda o governo Dilma Rousseff. O poder que o personagem do primeiro escalão das delações, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem sobre a deflagração do impeachment unificou os dois processos.
Salvo-condutos passaram a frequentar todas as mesas de negociação e a condicionar tanto a adesão ao bloco do vice-presidente Michel Temer quanto o apoio ao governo. Se a concentração do processo, por um lado, encorpou a chantagem como método, seu desmembramento tira do presidente da Câmara o poder de explorar o espírito de corpo de uma classe política que teme ser igualmente enredada.
Mais do que uma saída para a crise econômica, um governo comandado pelo PMDB vinha sendo visto, por muitos setores, como uma saída mais próxima de um acordo que envolvesse o Executivo e os tribunais pela risca de giz na cidadela de Sergio Moro. O desmembramento antecipa a promessa de futuro de que o bloco do impeachment se faz portador. Os coveiros da Lava-Jato pavimentam a rota para a presidente chegar a 2018.
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