• Só Dilma pode desviar o país do desastre, mas falta-lhe convicção
- Valor Econômico
A deterioração dos mercados de câmbio e juros nos últimos dias coloca o governo em córner e exige uma resposta rápida e contundente. Ou há seriedade de propósitos e o ajuste fiscal é para valer ou o governo conduzirá o país para caminhos perigosos. O abismo está próximo e só a presidente da República, Dilma Rousseff, tem hoje o poder de desviar o Brasil do desastre anunciado. Mas falta-lhe convicção.
O risco é ter mais câmbio, mais inflação, mais juros, mais recessão, congelamento do crédito e o desemprego bater na casa dos 10% a 12% no início de 2016.
Em março de 2014 o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou para a presidente propostas de cortes de despesas mediante mudanças nas regras de acesso a benefícios previdenciários e trabalhistas, gastos que cresciam de forma acelerada e injustificada. Relatos de fontes bem informadas dão conta de que Dilma teria respondido a Mantega com uma pergunta: "Você quer que eu perca a eleição?"
O ministro recolheu-se. Continuou a tratar como possível a obtenção de superávit primário nas contas consolidadas do setor público. Alimentou essa expectativa publicamente até as eleições, para só então se curvar aos fatos: a receita da União começava a cair como resultado da recessão que se instalava enquanto as despesas cresciam.
Ainda assim, a equipe do ex-ministro deixou para o sucessor um documento - intitulado "Estratégias de Política Econômica: programa de consolidação fiscal para 2015-2018" - com análise da situação e a lista das propostas que viriam a ser adotadas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no primeiro pacote de medidas de ajuste fiscal para 2015, anunciado no fim de 2014.
Lá estavam descritos as sugestões e os impactos da redução da despesa com abono salarial, seguro desemprego, pensão por morte e auxílio doença. Estavam também as propostas de elevação das receitas com o aumento do IOF sobre crédito ao consumo, tributação sobre cosméticos, bebidas frias e PIS/Cofins nas importações.
"A política fiscal deve ser a âncora macroeconômica dos próximos anos", rezava o documento preparado pelo secretário de Política Econômica, Márcio Holland. O anúncio das medidas propostas afastaria "temporariamente o risco não desprezível de retirada do grau de investimento do Brasil por parte das agências de rating", alertava.
Os fatores que alimentaram o crescimento de 4,8% em média entre 2004 e 2008 "não estarão mais presentes nos próximos anos", seja pela retração do comércio mundial e desaceleração da China, seja pela desaceleração da massa real de salários e do crédito, indicava.
Há um ambiente hostil à tomada de decisões de investimentos privados que retroalimenta a baixa confiança no futuro da economia e abre-se espaço para um "circulo vicioso que precisa ser rompido". Tal rompimento só será possível com uma agenda de medidas que altere a percepção sobre o país, apontava o documento.
São várias páginas de avaliação da situação que abordam desde a perda de confiança dos agentes econômicos no governo à total ausência de credibilidade da política fiscal a partir do fim de 2012, quando o Tesouro Nacional começou a brincar com a contabilidade pública. Defendia que o ajuste fosse pela redução do gasto público e não pelo aumento dos impostos. O corte da despesa seria desinflacionário, elevaria a potência da política monetária, causaria menos danos na atividade econômica e restauraria a confiança de empresas e famílias.
Nenhuma linha é dedicada à crise externa a quem a presidente Dilma Rousseff atribuiu as dificuldades após as eleições. Todas as atenções são concentradas no desarranjo fiscal, na necessidade de melhorar a governança nas companhias estatais e na urgência de uma maior abertura da economia.
O texto, datado de novembro de 2014, mencionava, ainda, a demanda por uma taxa de câmbio mais competitiva e melhoria do ambiente de negócios a partir de reformas no sistema tributário e redução da taxa de juros. Era clara a noção, no Ministério da Fazenda de Mantega, de que na falta de uma âncora fiscal para a política econômica, a política monetária do Banco Central teve que ser a âncora.
Não havia, portanto, a crise externa descoberta pela presidente após o segundo turno das eleições presidenciais. Havia e há a crise construída pelo governo de 2012 em diante que é agravada a cada dia pela hesitação da presidente em adotar as medidas necessárias para consertar a destruição da política fiscal.
Assim como rejeitou as propostas de Mantega em 2014, insuficientes para a dimensão do estrago como ficou claro este ano, Dilma resiste às medidas do atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No ano passado Mantega imaginava que haveria algum crescimento da economia, modesto mas positivo, e não a recessão que se instalou. Hoje o custo do ajuste fiscal é maior.
À falta de convicção da presidente da República na austeridade fiscal se soma a falta de chão na política. Dilma não tem apoio do Congresso e enfrenta um comando hostil no Legislativo. Não confere poderes ao seu ministro da Fazenda assim como não deu espaço para atuação do vice-presidente Michel Temer na articulação política. Não conseguiu até agora viabilizar uma saída para as grandes empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, para salvar as companhias e não os seus donos, nem definiu qual será a política fiscal para os próximos anos.
No relatório de Inflação divulgado ontem, o BC só falta implorar por medidas fiscais que restabeleçam o superávit primário para restaurar a confiança e tirar o país da recessão.
Sem parâmetros, o mercado de ativos vai fazendo, a seu modo, o ajuste pela taxa de câmbio. Por trás dos ativos, porém, há empresas produzindo, pessoas empregadas que geram riqueza, pagam suas contas e colocam a economia para girar.
O que está em jogo, hoje, é todo um trabalho de décadas na construção da estabilidade econômica.
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