segunda-feira, 16 de novembro de 2015

José Roberto de Toledo: A morte de um rio

- O Estado de S. Paulo

Há algo de errado no mundo quando caçar um animal silvestre pode levar uma pessoa para a cadeia, mas destruir toda uma bacia hidrográfica, provocar a morte de mais de uma dezena de pessoas, assorear rios caudalosos, extinguir espécies inteiras, deixar meio milhão de pessoas sem água potável é punido só com multa. O problema, obviamente, não é o tipo de punição dada ao caçador.

O desastre ambiental provocado pela mineradora Samarco em Mariana, no coração de Minas Gerais, e que esparramou uma onda com toneladas de rejeito de minério, entulho e lama por centenas de quilômetros ribanceira abaixo até chegar ao mar não tem precedente na história do Brasil. Sufocar um rio do tamanho do Doce de uma só vez e em tão curto espaço de tempo era inimaginável. Chamar de acidente ou fatalidade é zombaria. “Nenhuma barragem se rompe por acaso. Temos que identificar qual foi a causa, se a má operação da empresa ou falha no monitoramento. Não podemos encarar como acidente um fato deste tamanho”. As palavras são do promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, em entrevista ao jornal O Estado de Minas. Não podemos.

Por mais necessárias e urgentes que sejam as indenizações financeiras para tentar minorar o drama das populações afetadas, não parece justo que um desastre dessas proporções seja punido exclusivamente com multas. Seria o mesmo que dizer às empresas com capacidade de provocar impacto tão profundo no meio ambiente e na vida das pessoas que tudo bem, acidentes acontecem.

A causa não foi um terremoto, não foi uma tempestade, nem sequer uma chuva. Na melhor hipótese, foi inépcia. Na pior, descaso. É assustador imaginar que isso seja possível em uma empresa fruto da parceria entre a maior e a quinta maior mineradoras do mundo. Na verdade, não foi a primeira vez que isso acontece com uma megaempresa. Há outros exemplos de desastres ambientais de magnitude semelhante e que acabaram em acordo financeiro.

A contaminação maciça provocada no Golfo do México pelo vazamento ao equivalente a 4,2 milhões de barris de petróleo de uma plataforma da British Petroleum em 2010 terminou com um acordo judicial, 15 anos depois, em que a empresa aceitou pagar US$ 18,7 bilhões ao governo dos EUA. E negócios à frente.

Quem sabe, em meio ao desastre, não surja da Justiça alguma esperança. Um juiz destemido, um grupo de procuradores interessados em investigar o caso a fundo e responsabilizar quem merece ser responsabilizado - sem caça às bruxas, usando apenas instrumentos legais dentro do que estabelece a legislação. Se não vier do Judiciário, não parece que virá de outros Poderes.

As primeiras reações dos políticos, de ministros a senadores, não inspiram confiança de que a punição para o desastre acabe em algo além de uma repreensão acompanhada de algum desembolso. Por enquanto fala-se em R$ 250 milhões. É uma ninharia, para empresas desse porte. É menos do que a Vale - uma das sócias da Samarco - gastou financiando campanhas de políticos nacionais e locais ao longo de tantas eleições no Brasil. Mas, obviamente, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Espera-se. Tampouco deixa de ser uma mistura de tragédia e ironia que a Vale, após eliminar o Rio Doce do próprio nome, esteja, mesmo que indiretamente, implicada no assoreamento desse mesmo vale.

Atentados na França. Face à crueldade dos terroristas, é importante não esquecer dos heróis anônimos que, por bravura ou apenas por cumprir seu dever, evitaram que o massacre fosse ainda maior. Não tivesse um segurança do Stade de France impedido a entrada do homem-bomba que comprara ingresso para o jogo França x Alemanha, a explosão que ocorreu do lado de fora do estádio teria ocorrido nas arquibancadas, fazendo muito mais vítimas e possivelmente provocando uma correria que mataria ainda mais gente.

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