Em meio ao tiroteio a que foi submetido na semana passada, com especulações em torno de sua substituição pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enfrentou mais uma batalha dentro do governo e ganhou. Ele conseguiu que a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) fosse aprovada com a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) sem qualquer desconto.
O relator da LDO, deputado Ricardo Teobaldo, tinha proposto permitir ao governo abater até R$ 30 bilhões da meta fiscal do próximo ano, por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Quando procurou saber a posição do governo sobre a proposta, não encontrou uma posição única da equipe econômica.
O ministro Levy manifestou-se contrário à proposta, mas o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi favorável. A posição de Barbosa a favor de uma banda fiscal é conhecida desde o tempo em que ele era o segundo no comando do Ministério da Fazenda, na gestão Guido Mantega.
Com a divisão entre os dois ministros, o assunto foi levado à presidente Dilma Rousseff. Durante reunião da Junta Orçamentária, na semana passada, o ministro chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, ficou do lado de Barbosa. O argumento principal a favor do desconto da meta é que o governo precisa de uma margem para o caso de frustração da receita no próximo ano, uma possibilidade elevada se a economia continuar no processo recessivo atual.
Levy argumentou que o desconto da meta seria inócuo, como mecanismo de proteção do governo contra eventual frustração de receita, pois o mecanismo poderia incentivar os parlamentares a não aprovar as medidas necessárias ao ajuste fiscal.
O receio do ministro é que o Congresso Nacional aprove o Orçamento do ano que vem com receitas insuficientes ou que não se realizem, como é o caso da arrecadação de R$ 40 bilhões com a venda de ativos da União, que consta do relatório do comitê de receitas da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Levy quer que o Congresso aprove a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas os parlamentares não querem.
O ministro foi voto vencido e a presidente autorizou Jacques Wagner a fechar acordo com o relator da LDO para um desconto da meta de até R$ 20 bilhões. Mesmo assim, Levy não se deu por vencido e demonstrou aos parlamentares da CMO sua preocupação com a aprovação desse mecanismo. A oposição ajudou o ministro, ao ameaçar obstruir a votação da mudança da LDO de 2015, se o desconto da meta fosse mantido. Os governistas terminaram cedendo.
A questão que precisa ser enfrentada é que não é possível ao setor público brasileiro registrar um déficit primário pelo terceiro ano consecutivo, em 2016. Depois da desastrosa gestão das contas públicas em 2014, quando a luta pela reeleição da presidente Dilma produziu um déficit primário equivalente a 0,6% do PIB, o ano de 2015 acabará com um buraco que poderá chegar a R$ 119,9 bilhões, se o governo for obrigado a pagar todo o passivo apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Mesmo sem considerar o pagamento das chamadas "pedaladas fiscais", o déficit primário do setor público previsto para este ano é de R$ 48,9 bilhões (incluindo Estados e municípios), o equivalente a 0,85% do PIB. Se as metas de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016 e de 1,3% do PIB em 2017 forem cumpridas, o governo projeta um aumento da dívida pública bruta para 72% do PIB. Hoje, ela está em 66% do PIB (dado de setembro do Banco Central). As projeções dos analistas do mercado são ainda mais pessimistas.
Quando rejeitou o desconto da meta fiscal para o próximo ano, Levy certamente estava preocupado com todas essas questões. Ele sabe que é necessário que o Congresso dê um sinal claro para o mercado de sua disposição em ajudar o governo a obter o superávit primário de 0,7% do PIB no próximo ano. Não se deve perder de vista que, embora seja uma meta ambiciosa, dada a situação de penúria das contas públicas, ela não deixa de ser insuficiente para garantir sustentabilidade à dívida pública, por isso deve ser entendida como mais um passo em um ajuste gradual. Reformá-la ou deixar de cumpri-la será empurrar o Brasil para um novo rebaixamento de sua nota soberana.
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