- O Estado de S. Paulo
Números, por mais que sejam torturados, não permitem que se diga algo diferente do que expressam. Distorções têm racionalmente limites, salvo para os que se contentam com imposturas ideológicas.
Essa impostura está presente em Mato Grosso do Sul, na atuação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Essa entidade da Igreja Católica entrou na luta propriamente política, denunciando um suposto “genocídio” da etnia guarani no Estado. Procura, com isso, prejudicar os empreendedores rurais, como se fossem responsáveis por tal “situação”. Vão mais longe, apregoando um boicote internacional a seus produtos. A impostura não conhece fronteiras!
Os números da Superintendência da Inteligência de Segurança Pública do Estado são eloquentes. Eles mapeiam os homicídio dolosos tendo indígenas como vítimas, nos anos de 2008 a 2015, no total de 229 casos, com os respectivos boletins de ocorrência e inquéritos policiais instaurados. Os inquéritos permitiram apurar a definição de autoria de 167 casos, perfazendo um porcentual de esclarecimento de 72,9%. Nestes, 85 são de adolescentes infratores indígenas, mais de 50% dos casos apurados.
Os autores indígenas perfazem 155 dos casos apurados, enquanto autores não indígenas somam apenas 9. Ou seja, a violência é de indígena contra indígena, e não de branco contra indígena, como os agentes ideológicos não se cansam de apregoar. Eles criaram o conceito de “genocídio” em completo desapego aos fatos. Buscam a plateia das ONGS nacionais e internacionais, que estão mais preocupadas em denegrir a imagem do Brasil do que em ajudar os indígenas.
Se atentarmos para a motivação dos crimes, os oriundos do consumo de bebidas e drogas totalizam 88, restando 4 por vingança, 44 por desentendimento interpessoal/ciúmes e 47 por motivos fúteis. Ali não são os conflitos agrários que estão em causa, mas sim o abandono, a falta de políticas públicas e uma maior integração social e econômica.
A tendência do Cimi e da Funai, além de ONGs nacionais e internacionais, é tudo reduzir a um conflito fundiário, na verdade, à luta que “representam” contra o lucro, o agronegócio e o capitalismo em geral. Sua posição esquerdizante os impede perceber as mudanças culturais profundas que essas tribos sofreram. Clamam, isto sim, por melhores condições de saúde, de educação e por políticas públicas que reduzam e eliminem os preconceitos de que ainda são objeto.
A posição do Cimi é particularmente reveladora, pois foram as políticas missionárias da Igreja que, no passado, mudaram, se não destruíram as formas religiosas tribais, produzindo importantes conflitos identitários. Ou seja, pessoas que perdem sua identidade, no caso, tribal e religiosa, são as que se sentem abandonadas no mundo. Suicídios têm também causas culturais, religiosas.
Ora, esse órgão da CNBB está, na verdade, transferindo para os empreendedores rurais uma responsabilidade que, de certa maneira, é sua. Trata-se de uma espécie de sentimento de culpa, acompanhado de uma desresponsabilização moral. No caso, operaram uma conversão, a conversão ao marxismo via Teologia da libertação, como se assim pudessem voltar a outro tipo de trabalho missionário.
No estágio de aculturação em que essas tribos se encontram, o mais adequado seria a adoção de políticas públicas que os contemplassem como pessoas em busca de bem-estar, e não meras peças de museu que devem ser preservadas. Necessitam, isso sim, de políticas públicas voltadas para uma melhor qualidade de vida. Querem médicos, TV, automóveis e instrumentos de trabalho, não a volta do xamã.
Em boa hora a Assembleia Legislativa sul-mato-grossense criou a CPI do Cimi, tendo como presidente a deputada Mara Caseiro e como relator o deputado Paulo Corrêa. Trata-se de um trabalho sério de investigação, voltado para desvelar a névoa ideológica que cerca as atividades dessa entidade e de ONGs correlatas.
Não estamos diante de um filme de faroeste, em que se possam discriminar mocinhos e bandidos. A realidade é muito mais complexa e nuançada. Ambos, na verdade, são vítimas - vítimas de políticas estatais e, mesmo, eclesiásticas, que têm como objetivo pôr as duas partes, com suas expectativas de direito, em confronto.
A Funai nada faz para equacionar os conflitos. De fato, é parte do problema, não de sua solução, incentivando lutas e confrontos. Considera sagradas suas “demarcações de terras”, quando são frequentemente distorcidas, com base em laudos antropológicos de cunho ideológico.
Ademais, aferra-se a desrespeitar as decisões do STF estabelecidas quando do julgamento do caso da Raposa-Serra do Sol. Ora, dentre outras condicionantes, estipulou a Corte Máxima o marco temporal da Constituição de 1988 como linha divisória das terras indígenas e vedou a ampliação de seus territórios. Termina, assim, por criar uma infinidade de conflitos e judicializações, enquanto reclama dessa mesma judicialização!
Na verdade, esse órgão estatal procura colocar-se acima do Estado e do STF. Se seguíssemos sua política, empreendedores rurais seriam simplesmente expropriados de suas terras, como se não tivessem títulos de propriedade reconhecidos pelo Estado há décadas, anteriores à Carta de 1988.
Logo, se há necessidade de mais territórios indígenas em algumas áreas, por causa de explosão demográfica ou outra, não adianta insistir no conflito. A razão exigiria apostar na solução e esta passa pela compra de terras, pelo valor de mercado, pagas em dinheiro. Assim, ambas as partes poderiam ter suas expectativas de direito atendidas. Por que não uma aposta na negociação e no reconhecimento mútuo de direitos?
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS
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