Neste momento delicado em que uma profunda crise política tende a radicalizar posições e a transformar o debate democrático em mero embate de paixões, a credibilidade do Poder Judiciário, a quem cabe a responsabilidade constitucional pela administração da Justiça, precisa ser rigorosamente preservada para que a inevitável judicialização de questões políticas - por exemplo, a Operação Lava Jato - seja compreendida e aceita pelos cidadãos como uma virtude do sistema democrático e não um instrumento a serviço de interesses escusos de quem quer que seja.
É claro que a responsabilidade pela administração da Justiça recai em última análise, individual ou coletivamente, sobre os ombros dos magistrados, que estão sujeitos a falhar, até mesmo por força de idiossincrasias estranhas ao campo da racionalidade. Até porque, por definição, por mais que um dispositivo legal se ancore em incontestável objetividade, a prática da magistratura é sempre um exercício de arbítrio. Por essa razão, já no Direito Romano se consagrou o princípio de que optima est lex quae minimum relinquit arbitrio judicis, ou seja, a melhor lei é aquela que deixa ao juiz a menor margem de arbítrio.
O Poder Judiciário como instituição, apesar de sua crônica morosidade na administração da Justiça, tem sabido conquistar, nos últimos anos, o respeito e a confiança dos brasileiros. Trata-se, entre os Três Poderes da República, daquele que desfruta de maior prestígio popular. E esse é um status adquirido muito em função do emblemático desempenho do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão. Não tem ficado atrás a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) na investigação das denúncias de corrupção na administração federal. Embora não sejam vinculados ao Poder Judiciário, MPF e PF são órgãos auxiliares da Justiça, cujo desempenho determinado e eficiente tem prestado indispensável e relevante contribuição à Justiça - o primeiro sem vinculação constitucional a nenhum dos Três Poderes e o segundo vinculado ao Ministério da Justiça, portanto, ao Poder Executivo.
O marco de legalidade estabelecido pelo julgamento do mensalão, cujo maior mérito foi ferir de morte a centenária maldição da impunidade dos poderosos no Brasil, é uma conquista da qual os brasileiros jamais admitirão recuo, até porque já foi apropriada pelos órgãos auxiliares da Justiça mencionados, como se vê pelas operações Lava Jato, Zelotes e outras. Em suma, o aparelho judiciário, como um todo, tem dado demonstrações de que não pretende abrir mão de levar a julgamento os políticos e autoridades com direito a foro especial acusados de corrupção.
Algumas medidas pontuais no âmbito do Judiciário, é verdade, têm levantado dúvidas quanto às intenções dos magistrados por elas responsáveis. No ambiente conturbado e emocional da crise política que paralisa o País não tem faltado quem procure identificar, por detrás dessas medidas, uma conspirata para blindar Dilma Rousseff, Lula, os petistas e sabe-se lá quais poderosos. De fato, tem havido no plano político iniciativas individuais e articulações no sentido de garantir a impunidade de notórios malfeitores. São, geralmente, seus sequazes que se mobilizam em socorro de chefões e chefetes.
Já no Judiciário os casos que podem causar alguma estranheza se devem invariavelmente a questões técnicas de Direito. É o caso da decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Dias Toffoli, de devolver à ministra Maria Teresa de Assis Moura a relatoria da ação proposta pelo PSDB para cassar os mandatos de Dilma e de seu vice, Michel Temer, por irregularidades apontadas na campanha do ano passado. A ministra, no início do ano, havia decidido arquivar a ação por falta de provas, mas foi voto vencido em plenário e agora a ação precisa continuar. Sua recondução à relatoria desagradou ao PSDB e foi aplaudida pelo PT, por razões políticas óbvias, mas foi decidida por Toffoli rigorosamente nos termos do regulamento da Casa. Outra dúvida se refere ao fato de o titular da 10.ª Vara Criminal Federal ter reassumido o posto logo após a juíza que o substituiu ter decidido pela investigação do filho mais novo de Lula. Há, de fato, misteriosas combinações para livrar meliantes da cadeia e do ostracismo político. São feitas no Parlamento e em covis obscuros. Essa baixeza só chegará perto dos tribunais se e quando seus perpetradores ultrapassarem os claros limites da lei e se tornarem réus.
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