• 'Ponte para o futuro' faz do PMDB o pauteiro da sucessão
- Valor Econômico
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) já estava na tribuna do Senado nesta terça feira havia 16 minutos para defender documento do PMDB, quando seu correligionário Roberto Requião, lhe pediu um aparte.
O senador paranaense disse não conhecer nenhum pemedebista que tivesse trabalhado na redação do 'Ponte para o Futuro', nome dado pelo partido ao conjunto de propostas que começarão a ser debatidas no encontro de novembro até virarem programa de governo no congresso de março. O documento rechaça aumento de carga tributária, propõe o fim de todas as indexações - de salário mínimo, previdência e orçamento - além de prever que o negociado deve prevalecer sobre o legislado no mundo do trabalho.
"Parece-me mais que foi uma encomenda feita a alguns economistas ligados ao mercado. Quem redigiu?". Jucá respondeu com uma exclamação: "Senador Requião"! O orador não declamaria da tribuna nem ao telefone os colaboradores aos quais a fundação Ulysses Guimarães recorreu para elaborar o documento, mas, pelas vírgulas que acrescenta, vê-se que o texto passou por uma consulta pública à la PMDB.
Tem as digitais de muitos interlocutores do vice-presidente Michel Temer que extrapolam seu círculo mais próximo onde pontifica Delfim Netto. Em muitos pontos, esses interlocutores não guardam qualquer convergência. Coincidências existem, mas o trecho de crítica ao custo fiscal das operações de swap que reclama controle institucional para o Banco Central - "É preciso questionar se é justo que uma instituição não eletiva tenha este tipo de poder" - tem as medidas do senador José Serra.
Ninguém sabe como o 'orçamento base-zero' foi parar no texto, mas a ideia de uma nova planilha a cada ano para justificar cada centavo a ser gasto se proliferou na cultura empresarial brasileira a partir de consultores como Vicente Falcone, braço-direito de Jorge Gerdau no Movimento Brasil Competitivo.
A ideia de trazer para a gestão pública conceitos da iniciativa privada é há muito acalentada pelo empresário gaúcho, presença frequente no escritório paulistano do vice-presidente. O documento lança mão da ideia, irrealizável na gestão pública, para introduzir o espinhoso debate da desvinculação do orçamento.
O texto sugere rediscussão anual dos orçamentos que hoje são indexados, como o dos benefícios sociais, da educação e da saúde. Um prenúncio dessa proposta já estava na Agenda Brasil, do senador Renan Calheiros. Lá se falava em um TAC (termo de ajustamento de conduta) fiscal para zerar o jogo e reprogramar os gastos. Agora o PMDB vai adiante. É como se o partido propusesse uma DRU de 100%, sendo que aquela em tramitação no Congresso levou quatro meses para sair da primeira das comissões (CCJ) e só andou porque o governo aceitou retirar da desvinculação de 30% fundos regionais de desenvolvimento.
Se os parlamentares estrebucham para manter as vinculações orçamentárias é porque sabem que sem este instrumento ninguém vai se dar o trabalho de apagar a luz para pegar a última fatia do bolo. Confrontado no plenário, Jucá amenizou o texto. Disse que o PMDB não vai avalizar a desvinculação da previdência do salário-mínimo. Ao telefone, porém, aceita rediscutir a vinculação de outros benefícios, como o auxílio reclusão (1,5 SM), além da lei que atrela o salário mínimo ao PIB. Propõe que a Constituição troque o engessamento orçamentário por uma nova cláusula pétrea, a da responsabilidade fiscal. Diz que as vinculações não acompanharam as mudanças na pirâmide etária do Brasil. Vale-se das cidades do interior, que, com muitos idosos, precisam gastar mais na saúde do que na educação para dizer que não é proposta de bicho-papão.
Marcos Lisboa, presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda da gestão Antonio Palocci e um dos economistas com digitais no texto, diz que a desvinculação é agenda consensual no seu meio, mas surpreendeu-se com o acolhimento que o PMDB deu ao tema. "É a agenda mais realista já apresentada", diz, não sem antes frisar que não é economista do PMDB, como não o foi de Ciro Gomes ou de Eduardo Campos.
Vê no documento a chance de se escapar de um debate que chama de maniqueísta sobre quem vai pagar a conta para discutir que fatura é essa. Os programas, sejam o do Pronatec, ou de subsídios para setores industriais, passam de um ano para o outro sem que se discutam seus resultados. O problema, diz, não é o déficit fiscal, mas a trajetória do gasto. Se aprova a CPMF hoje, no próximo ano a conta já não vai fechar porque o gasto é crescente. Por inércia e pela força dos grupos de interesse.
Converge com avaliações como a de Ricardo Paes de Barros que, em entrevista aoValor, disse que cortes radicais no Fies poderiam ter sido preservados se famílias que bancam mensalidades no ensino médio continuassem a fazê-lo quando seus filhos entrassem em universidades públicas.
Lisboa defende revisão anual das dotações orçamentárias das políticas públicas. Jucá, que foi três vezes relator do orçamento, diz que este tem que ser plurianual. Para cativar o meio político para o debate da desindexação, o documento sugere todo poder ao Parlamento - "Com o fim dos reajustes automáticos o Parlamento arbitrará, em nome da sociedade, os diversos reajustes conforme as condições gerais da economia e das finanças públicas".
As vinculações orçamentárias foram a saída encontrada para os conflitos gerados na relação entre um poder majoritário (Executivo) e outro capitaneado pelo voto proporcional (Câmara). Um orçamento plurianual que viesse a coincidir com o mandato presidencial pode ser uma alternativa, num país que decida abrir a porteira, para se confrontar a pressão de grupos de interesse à vontade majoritária.
O que não parece haver dúvida é que o fim das vinculações exigiria uma nova pactuação entre os poderes e que o PMDB tomou a dianteira desta mediação. Não importa tanto se o partido vai assumir o poder com Temer ou Eduardo Paes. Com um programa desses, será poder em qualquer governo, de Marina Silva a Ciro Gomes. O programa não tem a capacidade de abrir as portas para a antessala do impeachment, mas já escanteou o PSDB na canalização de uma agenda que se manteve órfã em 2014. O PMDB não é apenas o avalista, virou o pauteiro da sucessão.
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