- O Globo
-BRASÍLIA- Cinco horas após ser informado de que a bancada do PT não o apoiaria para evitar a abertura do processo por quebra de decoro contra ele no Conselho de Ética da Casa, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deflagrou o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, aceitando o pedido apoiado pela oposição e apresentado por juristas em outubro deste ano. Logo depois da decisão do PT, Cunha fez reuniões com aliados e integrantes da oposição que o convenceram que abrir o impeachment seria a única alternativa para criar uma cortina de fumaça em relação às acusações contra ele. Dilma se tornaria o foco das atenções, concluíram.
O anúncio no Salão Verde da Câmara atraiu curiosos e deputados, além da mídia, e foi feito no momento em que o governo aguardava a aprovação do projeto que altera a meta fiscal de 2015, para tentar livrar Dilma de crime de responsabilidade neste mandato. O pedido de impeachment, feito pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, tem por base as chamadas “pedaladas fiscais” da presidente em 2014, mas que, segundo o Ministério Público junto a Tribunal de Contas da União (TCU), se repetiram este ano.
Cunha disse que tomou uma decisão de natureza técnica. Negou que tenha sido uma retaliação ao anúncio feito pelo PT de não apoiá-lo no Conselho de Ética. Segundo Cunha, Dilma descumpriu a lei orçamentária, ao editar decretos sem número num valor de R$ 2,5 bilhões em 2015, o que caracterizaria crime de responsabilidade no atual mandato.
— Não o faço por nenhuma motivação de natureza política, mas, de todos os pareceres que chegaram a mim, não consegui achar um que conseguisse desmontar a tese. Não tenho nenhuma felicidade no ato que estou praticando — disse Cunha, negando que seja um ato de vingança: — Estou praticando um ato de ofício.
Cunha disse que foi muito cobrado para se posicionar a respeito dos 34 pedidos de impeachment que chegaram a suas mãos. Ele rejeitou 31; ainda há dois pendentes.
— Repito, nunca na história de um mandato houve tantos pedidos de impeachment como neste mandato — alfinetou.
Cunha avisou Temer que aceitaria o pedido
Para convencê-lo a aceitar o pedido de impeachment, os aliados de Cunha sustentaram que, com o foco voltado para Dilma, a oposição deixaria de ser hostil a ele, até porque se concentraria em defender o afastamento da presidente. Segundo líderes da oposição, não houve compromisso com uma mudança de posição de seus deputados no Conselho de Ética. No entanto, ponderou-se que a repercussão da abertura do impeachment, junto às bases eleitorais, poderá dar o discurso para que deputados do conselho mudem seus votos.
— Todo mundo disse a ele que deveria fazer hoje, que ele teria que mudar de pauta. Não dá para negociar mudança de voto neste momento — disse Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado de Cunha, que participou das reuniões ao longo do dia.
Para esses aliados, era importante que Cunha anunciasse sua decisão antes da votação no Conselho de Ética, para que não ficasse caraterizado que houve retaliação. Uma das preocupações é evitar que o ato seja considerado o uso do cargo em benefício próprio.
— O presidente tem a prerrogativa de abrir ou arquivar pedidos de impeachment. Só poderão alegar que usou dessa prerrogativa (para benefício próprio) se ele despachar depois da votação no Conselho de Ética — disse um aliado próximo.
Cunha ouviu os argumentos, recebeu o deputado José Mentor (PT-SP), que era seu interlocutor junto à bancada do PT, e, antes de fazer o anúncio, pediu aos aliados que o deixassem só em seu gabinete. Minutos antes de sair do gabinete, o presidente da Câmara telefonou para o vice-presidente Michel Temer e para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para comunicá-los da sua decisão. O impeachment será lido em plenário hoje, às 14h.
Na última segunda-feira, Cunha avisara Temer, durante um almoço entre eles, que deflagraria o impeachment se o PT decidisse votar pela continuidade do processo de cassação do seu mandato no Conselho de Ética. Ontem, Temer não fez movimentos para impedir que Cunha seguisse adiante em sua decisão, depois de ter sido avisado por telefone pelo presidente da Câmara. Apenas avisou ao ministro Jaques Wagner (Casa Civil), que, segunda-feira, já havia sido alertado o vice-presidente das intenções de Cunha.
Retaliação já era esperada pelo PT
No PT, já era esperado que Cunha tomasse essa atitude em retaliação à posição dos petistas no Conselho de Ética. Deputados petistas disseram que na sessão de anteontem do conselho havia a disposição de pelo menos dois deputados do PT de votar a favor de Cunha. No entanto, entre terça e quarta-feira, a pressão de militantes cresceu e o presidente do PT, Rui Falcão, usou as redes sociais para se manifestar contra o presidente da Câmara.
Em almoço de Temer com senadores da oposição ontem, o assunto impeachment predominou. Segundo relatos, os comentários giraram em torno do fato de Cunha ter deixado claro que abriria o processo, caso o PT não o apoiasse no Conselho de Ética. O grupo comentou que a qualquer momento o processo de impeachment seria deflagrado e, segundo relatos, Temer teria “lavado as mãos”.
Aliados do governo criticaram Cunha:
— Acho que ele (Cunha) se equivocou com o pedido. O impeachment é o tipo de procedimento que conflagra não só a Câmara, mas o ambiente político como um todo — avaliou o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ).
Líder petista se diz indignado
Líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que está indignado com a abertura do impeachment, mas que o governo vai encarar com “absoluta naturalidade” o decorrer do processo. E chamou o ato de Cunha de “presepada”:
— Recebemos isso com indignação porque não há fato nenhum, a não ser mera disputa política da oposição, e portanto temos que encarar isso com a mais absoluta naturalidade.
Guimarães disse ser melhor saber a posição de Cunha do que viver com “várias espadas nas costas”, numa possibilidade sempre em aberto do início de processo de impeachment :
— É melhor as coisas serem claras do que ficar todo dia com uma espada nas costas, prefiro uma espada única do que várias espadas. O momento é de afirmação da base e do governo — disse o líder petista.
Aliados do governo, em especial do PMDB, consideraram equivocada a decisão do PT de anunciar ontem a posição contra Cunha no Conselho de Ética, já que haveria sessão do Congresso para votar a nova meta fiscal, o que inviabilizaria qualquer votação no conselho.
No início da tarde, o encaminhamento para abertura de um processo de impeachment contra Dilma já era considerado uma realidade. Durante as cinco horas que antecederam o anúncio de Cunha, a movimentação de parlamentares no gabinete do presidente da Câmara foi intensa. Aliado de Cunha, o deputado Paulinho da Força (SD), anunciava.
— O PT nos deu uma oportunidade única, agora — disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário