• Ao contrário de 1992, sistema está sob dominância judicial
- Valor Econômico
A deflagração do processo de impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados minutos depois da aceitação, pelo plenário da Câmara dos Deputados, da nova meta fiscal, foi uma demonstração de que o presidente da Câmara dos Deputados perdeu uma das âncoras com a qual manejava sua permanência no cargo.
A deterioração da confiança num país que perde seis mil empregos por dia e roda a uma Selic de 14% sempre alimentou o jogo de Eduardo Cunha e de seus 40 aliados. A decisão dos deputados do PT de votar pela admissibilidade do processo no Conselho de Ética impulsionou o deputado, mas foi a aprovação da meta que mostrou o quanto seu poder de barganha murchara.
Para escapar da cassação, a presidente Dilma Rousseff terá de convencer o Congresso de que é a continuidade do seu governo que coincide com a expectativa gerada pela votação da meta fiscal para reverter a crise de confiança que assola a economia. Paradoxalmente, a mudança na meta visava a demonstrar ao TCU, cujo julgamento embasa o pedido de impeachment, o compromisso do governo com as contas fiscais.
O fôlego do presidente da Câmara em enfrentar o governo na pauta fiscal se revelara curto desde o dia anterior quando seus aliados foram incapazes de evitar que a Comissão de Orçamento incorporasse no relatório de receitas a previsão da CPMF. E enfrentou mais um revés ontem com a urgência adquirida pelo projeto de repatriação de ativos no exterior, que pulou as comissões no Senado e vai direto para o plenário.
A deflagração do impeachment é uma maneira de o presidente da Câmara tentar renovar seu poder de barganhador-geral da República. Eduardo Cunha tomou a decisão depois de ficar claro que não escaparia do processo no Conselho de Ética que levaria à cassação pelo plenário da Câmara.
O gesto é um último apelo à oposição, de quem ainda espera apoio para manutenção no cargo em troca de um processo que, efetivamente, conduza à cassação. O avanço dos processos que o ameaçam tanto no Conselho de Ética quanto no Supremo, no entanto, indica que o presidente da Câmara pode ter deixado de ser um interlocutor confiável para a oposição.
A aceitação de Cunha foi interpretada no Congresso como a confirmação do vaticínio de que o presidente da Câmara cairia atirando. Ao anunciar em rede social que acolhera o processo contra Dilma, no entanto, o presidente da Câmara ainda tentou um último apelo para arregimentar apoio da opinião pública por seu gesto: "Os protestos de rua não foram em vão".
Ao contrário daquele iniciado em 1992, o atual processo impeachment foi deflagrado num momento de dominância judicial sobre o sistema político. É improvável que o Supremo assista passivamente ao processo que está por se iniciar no Legislativo. Há quinze dias, numa palestra a universitários em São Paulo, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, disse que se deveria esperar que a nova distribuição de poder decorrente das eleições municipais ajudasse o país a aguentar até 2018 sem 'golpe institucional'.
Uma semana depois, Teori Zavascki mudou a direção do vento com a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Respaldada pela segunda turma, a decisão foi referendada pela liminar concedida pelo ministro Luiz Edson Fachin que garantiu voto aberto na sessão do Senado que confirmou a decisão do STF.
Na mesma semana, o presidente do Supremo, em cumprimento à 'pauta da institucionalidade', se reuniria com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, para apresentar contribuição do Judiciário ao ajuste fiscal. Com uma proposta para agilizar a execução de dívidas em litígio fiscal, o presidente do STF se dispunha a colaborar com um incremento da arrecadação que não implique em aumento de impostos.
Acusado por ministros palacianos de colaborar com o desfecho pela decisão de apoiar a admissibilidade do processo contra Eduardo Cunha, o PT anunciou que recorreria ao Supremo contra o impeachment. Talvez reste pouco mais do que isso ao partido. O desgaste dos petistas e de sua principal liderança, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornam improvável que uma mobilização de rua em defesa da presidente Dilma seja bem sucedida. Ontem a Polícia Federal abriu inquérito para investigar a suposta compra de medidas provisórias que envolve repasses à empresa de um filho do ex-presidente.
O partido espera reverter a dominância judicial em favor da presidente mas encontrará uma Corte ceivada por divisões como aquela que ontem resultou num bate boca entre seu presidente e o ministro Gilmar Mendes, não por coincidência dois dos ministros que mais radicalmente se opuseram no julgamento do mensalão.
O presidente da Câmara que deflagrou o processo de impeachment já é alvo de duas denúncias no Supremo relacionadas à propina para viabilizar contratos na Petrobras e está para enfrentar uma terceira, a de que negociou emendas em medida provisória que beneficiou o banco BTG.
A presidente tem uma longa batalha de opinião pública a vencer. O acachapante apoio colhido nas últimas pesquisas à cassação de Eduardo Cunha, demonstra o déficit de legitimidade do presidente da Câmara para conduzir o processo, mas Dilma acumula os piores índices de aprovação de um presidente da República da história.
Pelo breve pronunciamento de ontem, Dilma demonstrou que vai se valer da imagem de governante honesta contra a qual nenhum de seus algozes se insurge. Em sua fala a presidente bordejou a perigosa fronteira da comparação com um presidente da Câmara que é alvo de três inquéritos judiciais.
Para se segurar no cargo, a presidente terá que recomeçar do zero as negociações com o PMDB. O partido deu apoio decisivo ao governo na votação da mudança na meta orçamentária.
O sucesso da articulação governista para fazer avançar a pauta fiscal deve ser utilizado pela presidente para tentar demonstrar aos agentes econômicos e à opinião pública de que a continuidade do governo é a aposta mais segura para o enfrentamento da crise. Tem um duro histórico pela frente: as previsões sobre o PIB demonstram que recessão igual o país só enfrentou às vésperas do impeachment de Fernando Collor de Mello.
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