O Globo
Em política, há apenas dois fatos determinantes: o fato novo e o fato consumado. O fato político novo do impeachment está consumado, não importa se quem o desencadeou foi um presidente da Câmara sem credibilidade.
Nem Eduardo Cunha nem a presidente Dilma têm condições de posarem de heróis do povo brasileiro, ele comemorando no Twitter o impeachment como se o tivesse aceitado em atendimento aos anseios da maioria da população, a presidente fazendo-se de vítima de uma revanche política, sem motivos para ser “impichada”.
Ambos dizem meias verdades, sempre em interesse próprio, o que caracteriza nossos tempos de baixa política. Cunha, depois de garantir que sua decisão não fora política, mas técnica, comemorou a abertura do processo de impeachment nas redes sociais. Dilma fingiu que não transgrediu a lei cometendo crime de responsabilidade e alegou que não é acusada de corrupção.
Mas o novo pedido de afastamento protocolado pelas oposições, assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior, usa um parecer recente do Ministério Público junto ao TCU indicando que este ano Dilma assinou ao menos quatro decretos presidenciais que somam R$ 800 milhões, provas de que Dilma autorizou gastos sem permissão do Congresso, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma prova com a assinatura da própria presidente, o que caracteriza o chamado “ato de ofício”.
Reale Junior insiste em que as “pedaladas fiscais” de 2014 e 2015 já condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) também façam parte do processo, mas esse debate deve ir ao STF.
Uma leitura direta do texto constitucional leva a crer que apenas os atos praticados no decorrer do mandato podem ser punidos, mas a legislação foi feita antes de o instituto da reeleição ter sido aprovado, e há juristas que defendem a tese da “continuidade administrativa” para permitir a punição ao presidente reeleito por atos cometidos no mandato anterior.
A situação também pretende recorrer ao Supremo alegando que não existe um rito definido para o impeachment. Os trâmites seguintes à aceitação, como a forma de compor a comissão especial, bem como os prazos para receber a defesa e concluir o parecer sobre o afastamento, não estão previstas em lei. Há, porém, a experiência anterior do impeachment do presidente Collor, que Cunha utilizou para definir a tramitação que será questionada agora pelos governistas.
Uma comissão de 66 membros dos partidos representados na Câmara será eleita em 48 horas, e serão dadas dez sessões de prazo para que a presidente apresente sua defesa à Comissão. Em seguida, a Comissão tem cinco sessões para dar seu parecer. Essas 15 sessões devem transcorrer em quatro ou cinco semanas, com uma média de três sessões semanais às terças, quartas e quintas-feiras. A presidente será afastada do cargo por 180 dias se a processo de impeachment for aceito pelo plenário da Câmara
Sessões extras podem ser convocadas para apressar esse prazo. A discussão do parecer em Plenário se dá em turno único, com a presidente ou seu representante podendo usar da palavra em Plenário para manifestar-se sobre o parecer da Comissão Especial pelo mesmo tempo, logo após usar da palavra o autor da denúncia ou o relator, caso o parecer da Comissão Especial seja contrário à aceitação da denúncia.
O parecer será submetido à votação nominal com quórum de dois terços dos membros da Casa, isto é, 342 votos. Assim, explica o estudo da Câmara, um parecer pelo deferimento da abertura do processo deve receber pelo menos 342 votos favoráveis para que seja considerada a autorização. Por outro lado, se o parecer da Comissão Especial for pelo indeferimento da abertura do processo de impeachment, apenas a sua rejeição por 342 votos ou mais resultará em autorização para processar o presidente da República.
Certamente ainda teremos muitas discussões técnicas antes de o processo seguir seu rumo natural, e as reações da opinião pública jogarão um papel decisivo nesse processo. Saberemos nos próximos dias se Dilma e o PT contam com apoio, ou se têm vontade política para fazer a defesa do mandato presidencial nas ruas. E se os movimentos que organizaram as diversas manifestações contra a presidente Dilma desde 2013 terão condições políticas de voltar às ruas para defender o processo de impeachment. A situação econômica, que só tende a piorar, não é favorável ao governo.
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