- Folha de S. Paulo
Não tenho convicção de que o impeachment de Dilma Rousseff seja mesmo o melhor para o Brasil, mas é preciso torcer muito a linguagem para classificá-lo como um golpe, a exemplo do que vêm fazendo lideranças governistas.
Se tomarmos o significado mais usual de golpe em política, que é o de ruptura institucional, o discurso oficial se torna uma contradição nos termos, já que a utilização de um mecanismo previsto na Carta não pode, por definição, ser qualificado como descontinuidade constitucional.
É possível que os governistas estejam utilizando o termo golpe num sentido mais fraco, de manobra desleal, pois não há prova de que a presidente esteja pessoalmente envolvida nos esquemas de corrupção que deflagraram a crise. De fato, não há, mas ninguém está acusando Dilma de ter cometido delitos penais. Se fosse este o caso, o julgamento ocorreria no STF e não no Senado, após aceitação do processo pela Câmara.
Parece forçosa, portanto, a conclusão de que o impeachment é primordialmente um julgamento político, não sendo tão relevante o pretexto sob o qual ocorre. Aí, poderíamos falar em golpe –e num sentido ainda mais fraco– se as regras fossem tão draconianas que não dessem à presidente nenhuma possibilidade de defender-se e escapar das acusações. De novo, não é o caso.
A Constituição, ao exigir maioria de 2/3 dos deputados para a abertura do processo e 2/3 dos senadores para a condenação, chega perto de blindar o presidente. A proteção ao mandatário é maior do que a que a Carta reserva para si mesma, ao estipular maioria de 3/5 para a aprovação de emendas constitucionais. Ou seja, é mais fácil reunir parlamentares em número suficiente para transformar o Brasil numa monarquia constitucional do que para afastar Dilma.
O impeachment pode até revelar-se uma má escolha para o país, mas se vier a ocorrer, é porque se formou o consenso de que ela deve sair.
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