“Vou propor um rito que vai do começo ao final do julgamento” do processo de impeachment, afirmou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito da questão que estará submetendo a seus pares em reunião plenária da Suprema Corte prevista para a próxima quarta-feira. Trata-se da ação proposta pelo PCdoB a propósito da sessão da Câmara dos Deputados da última terça-feira, quando, em votação secreta, foi derrotada a chapa apoiada pelo Planalto para compor a Comissão Especial que se manifestará sobre a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Naquela noite Fachin, em decisão liminar, suspendeu todos os procedimentos do impeachment até que o pleno do STF se manifeste sobre o assunto.
As declarações do ministro Fachin deixam claro que muito mais do que decidir sobre as dúvidas e irregularidades pontuais arguidas na ação proposta pelo PCdoB, o STF será convidado a estabelecer o conjunto de normas que terão de ser obedecidas pelos parlamentares no desenvolvimento de um processo de impeachment, o que, desde logo, é claro, se aplicará ao caso de Dilma Rousseff. Diante disso, a questão maior que se coloca é se cabe ao STF impor normas de procedimento – ou um rito, nas palavras do próprio Fachin – a outro Poder da República.
Parece de curial bom senso entender que é missão constitucional do STF zelar pela observância do que está disposto na Carta Magna e na lei ordinária, ou “certificar-se de que o rito está sendo cumprido”, como afirmou a propósito o ministro Luís Roberto Barroso, ou garantir o respeito ao “figurino legal”, como se expressou o ministro Marco Aurélio Mello. Outra coisa muito diferente – e que não pode deixar de causar apreensão quando é aventada por um ministro togado – é o próprio STF se dispor a definir os ritos que devem ser seguidos pelo Poder Legislativo. Isso seria legislar – e legislar sobre assunto interno de outro Poder. A esse respeito, aliás, o ministro Marco Aurélio Mello foi categórico, em declarações ao jornal O Globo: “Não podemos criar rito, porque nossa atuação não é normativa. O único ramo da Justiça que tem poder normativo é a Justiça do Trabalho. Nós no Supremo atuamos de forma limitada e temporária.”
O processo de impedimento de um chefe de governo, previsto na Constituição Federal e sujeito a normas legais específicas, constitui-se, não obstante, num processo eminentemente político, razão pela qual tramita no Parlamento e não na Justiça. Seu rito, portanto, é questão interna corporis do Congresso Nacional.
Não se questionam as boas intenções do ministro Edson Fachin ao postular nova regulamentação geral para um procedimento relevante como o do impeachment, disciplinado por uma lei de 1950 e que talvez precise ser colocado em sintonia fina com a Constituição de 1998 – embora o mesmo rito tenha servido para a tramitação do processo de impeachment do presidente Collor, em 1992. “Disso resultará”, argumenta Fachin, “um procedimento que permitirá que o impeachment seja desenvolvido sem nenhuma arguição de mácula”.
Parece arriscado imaginar que qualquer instituto legal, especialmente o do impeachment, que por definição gera conflitos de interesses, possa ser colocado a salvo de “arguição de mácula”. É um prognóstico que, no mínimo, subestima a criatividade dos advogados. O mais preocupante, no entanto, é o ímpeto com que Edson Fachin se propõe a reescrever a história do STF ao convidar seus pares a assumir a responsabilidade de tutelar senadores e deputados, indicando-lhes o modo de proceder com o processo de impeachment.
Registre-se que o ministro Fachin entendeu ser a matéria demasiado relevante para sobre ela decidir monocraticamente. Não só vai submeter o assunto ao conjunto de seus pares, como tomou a precaução de solicitar previamente pareceres das duas casas do Parlamento, do Planalto, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Tudo isso, no entanto, não elide o fato de que a ideia original de “propor um rito” para o impeachment, atribuindo ao STF poderes inéditos, é preocupante.
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