sexta-feira, 4 de novembro de 2016

O risco Trump - Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

Bastou que algumas pesquisas apontassem forte recuperação das intenções de voto no candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, para que os mercados se abespinhassem.

A percepção geral é a de que uma vitória de Trump inauguraria uma temporada de grandes incertezas. Convém examinar algumas delas.

Se fossem limitadas às suas declarações histriônicas, os problemas pessoais do candidato poderiam ser suportados. Mas Trump não é apenas histriônico. É intolerante, protecionista e isolacionista. Mostra impressionante capacidade para explorar os desalentos das classes médias empobrecidas, atitude que tantas vezes no passado produziram desastres de dimensão global.

Algumas pessoas, entre os quais o presidente Barack Obama, viram em algumas de suas declarações estapafúrdias indicações de que Trump não está preparado para o cargo pleiteado. Mas pode ser pior do que isso. Trump propõe-se a ser guru de si mesmo e autoridade desvinculada dos focos de poder dos Estados Unidos. Durante toda a campanha fez questão de dizer que se sentia acuado pelo establishment e pelas elites, inclusive do próprio Partido Republicano.

Isso significa que sua atuação política pode por si só tornar-se fator de instabilidade, porque tende a provocar antagonismos com o Congresso e com a sociedade dos Estados Unidos. Ele não seria um chefete como tantos por aí à frente de Estados nacionais mal resolvidos. Seria o maior chefe de Estado do mais poderoso país do mundo. E, na medida em que pretende acirrar os conflitos globais em vez de cerceá-los, um governo Trump poderia provocar cataclismos geopolíticos.

Do ponto de vista da condução da economia, Trump, se eleito, também poderia transformar-se em usina de riscos. Suas convicções contrárias ao livre-comércio, de forte favorecimento à produção local e alijamento da imigração tendem a puxar a inflação para cima em consequência dos mais altos custos, tanto de produção quanto de mão de obra. A notória hostilidade ao México e à China ameaça se transformar em guerra comercial.

Ele promete redução de impostos e aumento das despesas com defesa, para, segundo ele, eliminar as fragilidades estratégicas dos Estados Unidos. São objetivos incompatíveis. Se levados às últimas consequências, tendem a aumentar a dívida, o rombo orçamentário e também os juros.

Esse ambiente não favorece o fluxo de capitais para os países emergentes. A primeira vítima tende a ser o México, fortemente hostilizado pela retórica xenófoba do candidato. Mas a construção de um muro para tentar eliminar porosidades de fronteira deve ter consequências para outros países cucarachos, inclusive para o Brasil.

Há quem argumente que não se pode tomar a retórica eleitoral como indicação do que viria a ser a política de fato de um governo Trump. Ou, então, que as instituições americanas são mais fortes do que eventuais ameaças que possam ser produzidas por um dirigente extravagante. No entanto, há o caldo de cultura vingativa que permeia a sociedade americana que não se dissolveria com a derrota de Trump nas urnas.

É o mesmo caldo de cultura que se alimenta de ressentimento na França, Alemanha, Áustria, Hungria e tantos outros países onde começam a ganhar força lideranças nacional-populistas apregoeiras do racismo e da xenofobia. Não dá para dizer que isso não passa de retórica. Que a tão democrática Alemanha dos anos 30 avive a memória dos que pensam assim.

Sem empolgação
Se o perfil de Donald Trump é assustador, o de Hillary Clinton não empolga – pela falta de carisma, autoritarismo mal disfarçado, certa arrogância e, principalmente, por não conseguir distribuir alento.

Sonho ameaçado
O americano médio já não acredita, como antes, no sonho americano. Sente que seu futuro está ameaçado pela deterioração do salário e do emprego e, como os ingleses mostraram com o Brexit – ou como os brasileiros –, está cansado dos políticos, que prometem e não entregam. Para essa gente, Trump passa a mensagem de que tem soluções mágicas e inéditas. Mas o momento não é de conferir a qualidade desses artigos; é de agarrar o que pode sugerir mudança.

E a esperança?
Hillary tem dificuldade para vender esperança porque é do establishment, que começa a ser percebido como incapaz de produzir respostas para os desafios de hoje.

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