- Folha de S. Paulo
O pacote de leis anticorrupção conhecido como "dez medidas" melhorou depois que o deputado Onyx Lorenzoni retirou os exageros da proposta original. Se o substitutivo avançar na forma em que se encontra, não precisaremos mais temer restrições ao habeas corpus nem a validação de provas ilícitas, o que é uma boa notícia.
O projeto traz, porém, uma série de inovações jurídicas sobre as quais ainda nutro dúvidas sinceras. Uma delas é a criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos. Meu primeiro impulso foi o de apoiar a medida. Um funcionário do Estado, afinal, deve ser capaz de oferecer explicações plausíveis para a origem de seus bens. Mas, depois de refletir mais sobre o assunto, estou me inclinando a opor-me à proposta.
É verdade, como diz o MP, que um enriquecimento incompatível com os vencimentos de servidor está comumente associado à prática de corrupção e a crimes conexos. Mas "comumente" não é sempre. Podemos imaginar um servidor que, nas horas vagas, dedica-se ao tráfico de drogas, o que lhe proporciona um belo aumento patrimonial de difícil explicação.
Se a nova regra vigorasse, ele acabaria sendo condenado por enriquecimento ilícito, que faz parte da família dos crimes contra a administração pública, e não por tráfico, como exigiriam a lógica e a Justiça. E podemos ir mais longe. Imagine-se uma funcionária de formas estonteantes (ou um calipígio servidor, para que não me acusem de machismo) que obtenha substancial incremento de renda fazendo programas à noite. Ora, vender sexo nem sequer é crime, mas, neste caso, poderia levar o libertino agente público à cadeia. Ele dificilmente terá recibos que comprovem a origem de sua fortuna.
A verdade é que não dá para criar atalhos. Para mandar alguém para a prisão, o Estado precisa fazer mais do que exibir sólidos motivos para suspeita. Precisa mostrar qual crime foi cometido e em quais circunstâncias.
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