- Correio Braziliense
• O Palácio do Planalto precisa mudar o padrão das relações do governo com os grandes interesses privados
No domingo à noite, o publicitário Nizan Guanaes se reuniu com um grupo de jornalistas para trocar ideias sobre a situação do país e sentir o clima político de Brasília. Para bom entendedor, não queria chegar de paraquedas na primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do presidente Michel Temer. Como sempre acontece nesse tipo de conversa, foi uma catarse coletiva em que se falou de quase tudo. Mas se chegou à conclusão de que ninguém sabe o que vai acontecer no próximo ano. Nizan dizia que empresários e executivos com quem conversa, para investir, querem exatamente o contrário: previsibilidade. Ele próprio organiza um fundo de investimento que depende apenas disso para decolar.
Ao contrário de seus conterrâneos Duda Mendonça e João Santana, Nizan faz parte do mundo empresarial que ficou ao largo da Operação Lava-Jato e não gravita em torno dos serviços e obras do setor público, seja na administração direta, seja nas empresas estatais. Esses segmentos pleiteiam do governo reformas capazes de destravar a economia e promover relações mais transparentes e competitivas no mercado. Em outras palavras, um padrão diferente daquilo que vem sendo chamado por economistas e outros analistas de “capitalismo de laços”. O eufemismo denomina uma sofisticada rede de interesses, contratos e participações acionárias cruzadas das empresas e bancos estatais e dos fundos de pensão com grandes projetos empresariais controlados pela iniciativa privada.
Esse complexo arranjo empresarial era controlado pelas empresas que estão sendo investigadas pela Operação Lava-Jato e entrou em colapso, junto com o esquema de financiamento eleitoral dos partidos e políticos que, no poder, garantiam seus privilégios e lucros. Associado à irresponsabilidade fiscal e aos privilégios corporativos na administração direta, o esgotamento desse modelo de capitalismo está por trás da forte recessão que estamos vivendo. Ou seja, a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado no Brasil, substituindo as antigas empresas estatais pelo cruzamento de ações e arranjos empresariais privilegiados, entrou num beco sem saída por causa da corrupção. É nesse contexto que vale a pena discutir o que será esse Conselhão do Temer. O do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que Dilma não soube gerenciar, foi uma espécie de estado-maior do nosso “capitalismo de laços”.
O Conselhão de Lula serviu para abduzir o Congresso, dele retirando a intermediação dos grandes interesses econômicos e sociais da sociedade. Restou ao parlamento a baixa política. A discussão, negociação e arbitragem dos grandes interesses da sociedade deixaram de ocorrer na Câmara e no Senado, onde as decisões eram apenas referendadas, cabendo ao ex-presidente Lula arbitrá-las numa mistura perversa de bonapartismo com populismo. O rolo compressor governista se encarregava de aprovar os projetos. Com a eleição de Dilma, porém, o sistema entrou em pane: a presidente da República não era do ramo da política. Do outro lado do balcão, cada qual com o seu estilo, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB-RJ), no Senado, resgataram a intermediação de volta ao Congresso, porém, já viciada. O choque entre o Palácio do Planalto e os caciques do PMDB, principalmente o primeiro, acabou por dar passagem ao impeachment.
Agenda curta
Com a reestruturação do Conselhão pelo presidente Temer, há duas possibilidades: a primeira, é a tentativa de restabelecer o “capitalismo de laços”, ameaçado pela Lava-Jato e a recessão econômica; a segunda, é fazer o dever de casa das reformas e adotar relações mais transparentes e equitativas com os agentes econômicos. A segunda hipótese pode permitir a emergência de uma nova elite — que já existe — como protagonista do debate e da implementação da nova agenda do país. O governo Temer tem horizonte curto, vive a turbulência da crise ética e do agravamento da situação social, mas isso não impede que sinalize um rumo diferente para o país.
Ontem, o Ministério da Fazenda anunciou a revisão do Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano de 1,6% para 1%. Seu diagnóstico é cristalino: a queda de confiança causada pela situação das contas públicas retrai investimento. Temer precisa pactuar uma agenda curta, exequível, que permita ao país sair da recessão e chegar às eleições de 2018, independentemente dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Se quiser repetir o velho modelo de Lula, o Conselhão não dará certo. O Palácio do Planalto precisa mudar o padrão das relações do governo com os grandes interesses privados. Sem isso, os setores mais saudáveis da economia dificilmente se engajarão nos grandes projetos de investimento, como o novo programa de concessões.
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