- O Globo
O país ficou nos últimos dias diante da falência do seu maior tribunal eleitoral. Não porque o resultado contrariou a “vox populi”, mas porque rasgou as leis, desprezou os fatos, jogou fora provas abundantes dos crimes que ocorreram na eleição da chapa Dilma-Temer em 2014. É impossível, como disse o ministro Luiz Fux, não ver as provas amazônicas do que houve.
Não é apenas pelo resultado que se lamenta o que houve no TSE, mas pela maneira com que se chegou a ele. Pela forma desaforada de ignorar as evidências e menosprezar a inteligência alheia. A conclusão poderia ser que era impossível condenar esta chapa por qualquer motivo crível e sólido. Mas os que foram apresentados são desprezíveis.
Talvez o momento mais infeliz tenha sido o da comparação com o caso de Cristo. Pôncio Pilatos, homem sábio, mas fraco, condenou um inocente porque a “turba” pediu, disse Napoleão Nunes Maia, repetindo a citação que fora feita por Gilmar Mendes na véspera. A conclusão do raciocínio era que o TSE deveria resistir à pressão da opinião pública e salvar os acusados.
Todos os que votaram pela absolvição da chapa carregaram nos adjetivos para condenar os crimes que ocorreram, mas consideraram que ou não havia prova ou não estava na “causa de pedir”, ou foram informações passadas por delatores, ou eram caixa 2, e só analisariam caixa 1, ou qualquer outra filigrana sem qualquer sentido.
Nos votos que venceram, houve argumentos constrangedores. O ministro Napoleão Nunes Maia disse que os crimes eram tenebrosos, mas deveriam ser julgados por Sérgio Moro. Se todos os crimes cometidos durante uma campanha eleitoral fossem julgados apenas numa vara criminal, para que mesmo haveria uma Justiça Eleitoral?
O ministro Admar Gonzaga conseguiu ignorar todas as evidências e confissões de crimes na contratação das gráficas que receberam R$ 56 milhões e sustentar que eram pequenos subcontratados que, “como diz um meu assessor, trabalham no almoço para ganhar o jantar”. A ministra Rosa Weber felizmente repôs os fatos e o tamanho dos contratos.
Gonzaga criou uma situação estranha porque no afã de dizer que não havia prova de propina em 2014 enfatizou os depoimentos que diziam que propina ocorrera em anos anteriores, inclusive em 2010, quando ele era advogado da então candidata Dilma. O episódio do pedido de impedimento de Gonzaga pelo procuradorgeral eleitoral, Nicolao Dino, poderia ter sido evitado, se ele tivesse desde o início se declarado impedido. Sem qualquer juízo de valor sobre ele. Há testemunhos de delatores de que houve também dinheiro ilícito em 2010 e que foi guardado para 2014. Impedimento se declara não porque haja algum dolo, mas para dar conforto à sociedade.
Mesmo se por absurdo o relator Herman Benjamin tivesse ignorado os fatos trazidos à luz pelos delatores da Odebrecht, como defendeu a maioria do TSE, poderia deixar de ouvir os marqueteiros, se o próprio tribunal aprovou a convocação do casal João Santana e Monica Moura? Foi o TSE que mandou reabrir a instrução para ouvi-los. E depois quis desprezar também essas provas de que houve dinheiro das empreiteiras contratadas pela Petrobras na campanha.
O ministro Herman Benjamin tinha excesso de provas. É o contrário do que acontece nos casos em que os réus terminam absolvidos por falta de provas. Tanto assim que deixou de lado 18 denúncias de uso da máquina, não incluiu o caso escabroso do pagamento de propina ao PMDB na construção da Usina de Belo Monte. Mesmo se ele não usasse as provas da Odebrecht, ignorasse os marqueteiros, o ministro tinha várias outras provas e testemunhos de que as empresas contratadas pela Petrobras transferiram de forma ilegal dinheiro de origem ilícita para a campanha de 2014. A contradição de jogar fora as provas foi mostrada pelo ministro Fux. “Como vou julgar sem levar em consideração aquilo que foi determinado pelo próprio tribunal?”
Não há como não ver as provas, exceto usando a técnica do avestruz. Este momento é fundamental para o Brasil. Com o Mensalão e, agora, com a LavaJato, o país está enfrentando com coragem a velha cultura da impunidade. Ontem, com o voto de minerva do ministro Gilmar Mendes, o país retrocedeu. Era o momento de decidir. Não haverá outro.
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