Ana Luiza Albuquerque – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Uma das faces mais preocupantes da crise pela qual passa o Brasil é a ausência de lideranças e o esvaziamento dos partidos políticos.
É o que diz o cientista político José Álvaro Moisés, 72, diretor do núcleo de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo).
Segundo o professor, a desconfiança nas instituições –sejam o Congresso, as legendas ou a Justiça– deslegitima a democracia e cria a base social para o que chama de aventuras antidemocráticas.
Durante a entrevista, anterior à conclusão do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, o especialista também se mostrou preocupado quanto à possibilidade do tribunal absolver o presidente. "Como isso vai recriar a confiança dos eleitores na Justiça?"
Folha - O senhor pesquisa a desconfiança das instituições há mais de uma década. Quais são as origens?
José Álvaro Moisés - A origem é um funcionamento negativo das instituições e a percepção de corrupção. Quando existe muita desconfiança por um tempo muito grande, isso deslegitima o regime democrático e cria a base social para aventuras antidemocráticas. Não é à toa que o [Jair] Bolsonaro tem 15% de intenção de votos [em outro cenário, sem o ex-presidente petista Lula e com o governador tucano Geraldo Alckmin, o deputado chega a 16% em pesquisa Datafolha realizada em abril deste ano].
O que os protestos de 2013 significaram neste contexto?
Houve uma crítica muito forte ao governo da época e à qualidade dos serviços públicos e uma rejeição aos partidos. Desde a ideia de que as bandeiras não deveriam estar presentes até nenhum líder ter sido convidado a participar. As pessoas eram favoráveis à democracia, mas extremamente críticas ao funcionamento das instituições.
Estamos em um vácuo de poder ou na iminência de um?
Estamos em uma situação em que o poder está ocupado por forças tradicionais não capazes de se atualizar para dar uma perspectiva do futuro. Se isso não se resolver, vamos cair num vácuo.
Estamos acostumados a analisar a crise pensando que sua natureza é fundamentalmente econômica, mas há outra face que é a ausência de lideranças capazes de interpretar esse momento.
Como recuperar a confiança?
Estamos na dependência de surgirem novas lideranças que restaurem princípios democráticos. Não apenas as pessoas não pedem desculpas, como não dão indicação de que vão mudar o comportamento e não sugerem novos nomes. Em alguma medida, isso é um indicador de que os partidos não são capazes de projetar novas gerações de líderes, preparar, qualificar... As portas estão fechadas.
Nesse cenário, a opinião pública acaba criando heróis, como o juiz Sergio Moro?
Tem uma certa tradição no Brasil de personalizar figuras do mundo político. Na ausência de partidos capazes de interpretar a crítica e dar uma resposta, está havendo uma tendência de refocar em pessoas que poderiam representar uma política alternativa. [O ex-ministro do STF] Joaquim Barbosa, Sergio Moro, num certo sentido o prefeito de São Paulo [João Doria]... São figuras não vistas como da elite política tradicional.
Na direita despontam algumas figuras que se dizem da nova política, como Doria. Por que a esquerda não consegue lançar nomes novos?
A esquerda está esclerosada no sentido de que ainda está colada a velhas concepções. As pessoas nas áreas periféricas revelaram que não têm uma visão negativa do mercado. Esse segmento não tem a mesma estrutura ou perfil que tinha a classe trabalhadora nos anos 70 no Brasil. É muito mais volátil do ponto de vista político. É em relação a esse segmento que a esquerda tem que redefinir seu discurso e qual a perspectiva de incorporação dele de maneira permanente, no sentido de ampliar suas oportunidades não apenas no consumo, mas na estrutura da sociedade. Não fizemos a revolução da educação no Brasil ainda.
O conservadorismo tende a crescer agora, depois de quatro governos seguidos de esquerda que resultaram em uma crise econômica?
Uma primeira constatação é que o período de esquerda de fato deixou um resultado negativo, que já apareceu nas eleições de 2016. Outro passo é saber se isso vai criar espaço para um segmento mais conservador. Isso não está inteiramente definido, vai depender em grande parte de como os partidos se colocarão nas eleições de 2018 e se serão capazes de fornecer novos nomes e associá-los a conteúdos que respondam às críticas.
O presidente Michel Temer permanece até o fim do mandato?
Vai haver um contraditório entre um tribunal que pela primeira vez tem um julgamento extremamente importante e que em vez de gerar mais crença e transparência na Justiça, corre o risco de gerar incredulidade no seu mecanismo de funcionamento. Era mais importante que o tribunal desempenhasse seu papel de julgar do que pensar estritamente em termos de restabelecer a governabilidade. O governo vai entrar em um processo de sangramento e corre um enorme risco de ficar sangrando até o final de 2018.
Como o senhor vê a possibilidade de eleições diretas?
Acho que não temos chance. Primeiro porque a Constituição não prevê e é importante cumpri-la. Nem a esquerda acredita que isso é possível, está defendendo mais para ter um elemento de mobilização, o que acho ruim. Se tem uma bandeira que sabe que não dá para fazer, é uma fraude.
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