- O Globo
Desinflação é forte alívio no meio da crise. A deflação de junho não é sintoma de doença econômica. É uma boa notícia ter chegado a 3% de inflação ao ano, o que é a meta em países vizinhos nossos. Há quem, no Brasil, considere que se a inflação é baixa não haverá estímulo ao crescimento. Isso é resultado de uma velha miopia de certa corrente de pensamento que atesta que um pouco de inflação é bom para a alta do PIB.
A inflação negativa em 0,23% em junho é episódica e não o início de uma deflação como problema econômico, aquele que leva a economia cada vez mais para o fundo. O Brasil vive há pouco mais de um ano um processo consistente e sustentado de desinflação. A queda do consumo é apenas uma parte desse fenômeno e não foi ela que derrubou o ritmo de reajuste dos preços. A recessão começou no fim de 2014. No segundo ano de contração severa, em janeiro de 2016, o Brasil estava com inflação de 10,71%, apesar da queda livre do consumo.
O fenômeno é mais complexo e tem várias razões boas. Houve uma superprodução de alimentos que derrubou os preços de inúmeros produtos, além de outros efeitos bons na economia. A política de preços dos derivados de petróleo passou a ser normal, tem altas e quedas quando necessário, e desta vez entrou na conta a redução de gasolina e diesel. Os preços de energia tiveram uma redução temporária. Há ainda, por trás de todo esse processo de redução gradual dos índices de preços, a confiança na direção do Banco Central e no seu compromisso de manter a inflação ao centro da meta. Essa certeza não se tinha no governo Dilma, que passou quase todos os cinco anos no teto da meta ou acima dele.
Na sua divulgação, o IBGE lembrou que a inflação é “perversa”. Bem lembrado, porque há até hoje no país — por incrível que pareça — quem tenha se esquecido que a inflação tem o efeito confiscatório da renda dos mais pobres.
O país precisa retomar o crescimento de forma sustentada e com criação de emprego para os 14 milhões de desempregados. Uma inflação mais baixa só facilita. Não tem o poder de resolver problema algum, mas evita o agravamento de vários. Se nesta altura dos acontecimentos as taxas de reajuste de preços estivessem ainda altas, como durante todo 2015 e parte de 2016, o desconforto econômico estaria muito maior. Recessão, desemprego e inflação alta são uma dose dura demais para aguentar. A desinflação tem sido um ponto de alívio na difícil conjuntura atual.
Com a fórmula aprovada de teto de gastos, a inflação em 12 meses em junho é a baliza para os reajustes das despesas. Neste caso, a queda da inflação aumentará o rigor no controle dos gastos em 2018, e isso obrigará a mais disciplina, escolha de prioridades e gestão de qualidade. Se a inflação estivesse mais alta haveria mais margem de gastos, mas seria uma falsa receita. A inflação ajuda a arrecadação e reduz o valor real dos salários. Transfere renda para o governo e os mais ricos.
Os índices não devem ficar negativos nos próximos meses mas, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, a inflação em 12 meses pode cair mais em julho e agosto, para 2,5%. Depois subirá aos poucos nos outros meses do ano. Para quem acha que uma inflação de 2,5% é sintoma de doença grave é bom lembrar que a meta do Chile e do México para o índice anual é 2%. Do Peru, 3%.
O grande desafio será retomar o crescimento com o país no meio deste turbilhão político. Apesar do agravamento da crise, a economia tem conseguido melhorar aos poucos, mas não há expectativa de uma recuperação forte neste contexto. A causa da dificuldade com a retomada do crescimento é a crise política que reduziu a confiança e provocou o adiamento de projetos de investimento, e não a queda dos preços.
O número de junho e as expectativas de queda da inflação anual em julho e agosto devem reforçar as projeções de corte de um ponto percentual nas taxas de juros na próxima reunião do Copom, outro fato bom da economia. Não há garantia de que os próximos indicadores de atividade sejam positivos. O Brasil está saindo aos poucos desta recessão causada, entre outras razões, pelo descuido com a inflação no primeiro mandato de Dilma que a levou aos dois dígitos em 2015.
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