- O Globo
Preferimos defender direitos dos servidores de estatais à qualidade dos serviços públicos
O jornalista Paulo Guedes escreveu nesta página, em 19-62017: “os partidos social-democratas que nos dirigem há mais de três décadas devem explicar nossa degeneração política e o medíocre desempenho econômico”. Eu acrescento: “a persistência da pobreza e da desigualdade, a desagregação social, a violência generalizada, o desencanto dos jovens com a política e a tolerância com a corrupção”.
Uma explicação: não nos sintonizamos com o “espírito do tempo”, perdemos o vigor transformador. Enquanto a realidade se transformava, continuamos com as ideias do passado. Não entendemos que hoje a divisão entre presente e futuro é mais importante que entre capitalistas e trabalhadores; nem que estes se dividiram entre modernos, com bons padrões de consumo, e tradicionais pobres e excluídos, com um “mediterrâneo invisível” separando-os. Tampouco aceitamos que os sindicatos representam o setor moderno. Preferimos defender direitos dos servidores estatais à qualidade dos serviços públicos; ignoramos que estatal não é sinônimo de público, sob falso conceito de igualdade, abandonamos o reconhecimento ao mérito de alguns profissionais.
Optando pela disputa entre corporações, de capitalistas ou de trabalhadores, governamos sem buscar coesão social e rumo histórico. Substituímos propostas de um mundo melhor para as futuras gerações, por promessas de maior consumo no presente; criamos consumidores, não cidadãos. Caímos no oportunismo eleitoral ao prometer que todos atravessariam o “mediterrâneo invisível” apenas com “bolsas” e “cotas” para pobres e isenções fiscais para empresários. Não percebemos que o esgotamento dos recursos fiscais e naturais exige austeridade nos gastos e eficiência na gestão. Aceitamos a irresponsabilidade populista sem ver os riscos de induzir soluções inflacionárias e autoritárias no futuro.
Não entendemos que a justiça social vem da aplicação correta e responsável dos resultados de economia eficiente; que no mundo global não há mais futuro para economias movidas por nacionalismos isolados; nem reconhecemos que o capital do século XXI está no conhecimento para inovar e usar as novas máquinas inteligentes. Faltou a compreensão de que a eficiência e a justiça não virão da ocupação do Estado para subordinar as economias sob controle dos partidos, mas da educação para todos, filhos de pobres e de ricos em escolas com a mesma qualidade. Não acreditamos que a igualdade educacional com qualidade teria sido nossa nova bandeira.
No lugar de gigante deitado em berço esplêndido, deixamos um Brasil amarrado em laços corporativos e antiquados. Nossos intelectuais ficaram acomodados em ideias antigas, filiações partidárias, fascínio por líderes. Substituímos ideias por slogans, filósofos por marqueteiros. Caímos em narrativas falsas e passamos a acreditar nas próprias mentiras. Prisioneiros de siglas partidárias sem ética e programas, trocamos princípios por preconceitos. Sem rumo, caímos no eleitoralismo populista e na corrupção, que mora ao seu lado. E ainda não fizemos uma autocritica, nem pedimos desculpas à história e ao povo.
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Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
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