- Folha de S. Paulo
Leniência de governos e uso irresponsável de royalties gerou falta de segurança
A dramática decisão do governo federal de intervir na segurança do Estado do Rio de Janeiro não pode deixar de causar uma certa angústia pelo que se esconde no opaco futuro.
Talvez não existisse melhor alternativa diante da selvageria e da dimensão que a falta de segurança pessoal assumiu. Esta foi gerada pela leniência de muitos governos eleitos e, mais recentemente, porque se usou irresponsavelmente os royalties do petróleo (receita que depende dos seus preços e é, portanto, aleatória) para financiar o aumento de salários e as generosas aposentadorias (despesas líquidas e certas que crescem exponencialmente).
A tragédia do Estado do Rio de Janeiro é produto do criminoso oportunismo de sucessivos governos eleitos, que viram sua "popularidade" aumentada com truques como Olimpíada e quejandos. Quando a maré baixou, viu-se que ele estava nu: deixou de pagar salários e aposentadorias, enquanto a Lava Jato cobra de volta os "biscoitos" inadvertidamente embolsados...
Qual é a relação de causalidade mais provável: primeiro, foi a falta de recursos que atingiu os serviços de segurança e liberou a "malandragem" ou, segundo, foi a "malandragem" que produziu, por geração espontânea, a queda de recursos?
Só no Planalto, sob a influência daquele gás misterioso emitido pelo Paranoá que destrói neurônios, pode levar alguém a aceitar a segunda hipótese. A relação de causalidade é clara: foi a administração pública desastrosa, somada à queda de receita, a "causa causans" da deterioração da segurança que se abateu sobre o Rio de Janeiro.
Qual foi o efeito mortal dessa queda da receita? O sacrifício das despesas com segurança e investimentos público e privado (as principais causas do crescimento do Produto Interno Bruto), para financiar os generosos gastos com a Previdência da alta burocracia estatal não eleita.
Resolver o problema da Previdência talvez permitisse, com determinação adequada (que não falta a Michel Temer), começar a reconstruir a segurança perdida. É muito pouco provável, entretanto, que sem os recursos (que estarão sendo dissipados pela Previdência) a desesperada intervenção possa produzir resultados de longo prazo sem comprometer a credibilidade das Forças Armadas, que hoje são a única instituição respeitada pela sociedade. A inversão das prioridades comprometerá a recuperação econômica em curso.
Mas ainda mais sério. Com o desprezo manifesto do Legislativo e do Judiciário pelas limitações físicas impostas pelo equilíbrio orçamentário, é muito provável que tenhamos aberto o caminho para novos e substanciais deficits. A oportunidade é tentadora para estimular a "malandragem" nos outros Estados em dificuldades...
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Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo
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