Ministro do STF concede perdão por delito sem grave ameaça ou violência
Em nova decisão sobre anistia decretada por Temer ano passado, Barroso diz que decreto do presidente ‘dá passe livre para corruptos em geral’; magistrado atendeu à Defensoria do Rio, preocupada com pressão em presídios
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, autorizou ontem a libertação de condenados por crimes não violentos e deixou de fora criminosos do colarinho branco, incluídos no decreto publicado pelo presidente Michel Temer em 2017. Cármen Lúcia, presidente do STF, já havia suspendido o indulto por discordar das regras, mais permissivas que as de perdões anteriores. Barroso afirmou na decisão que o decreto “dá um passe livre para corruptos em geral”, e que a Defensoria do Rio estava preocupada com a pressão nos presídios. O ministro também quebrou os sigilos telefônico e de e-mail do ex-deputado Rocha Loures e do coronel Lima, aliados de Temer, no caso do inquérito dos portos.
Corruptos sem perdão
Barroso, do STF, contraria Temer e derruba benefício a criminosos do colarinho branco
Carolina Brígido | O Globo
-BRASÍLIA- Em decisão sobre o indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer no ano passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que condenados por crimes do “colarinho branco”, como corrupção e peculato, não podem ser beneficiados pelo indulto de Natal. No despacho, o ministro autorizou a libertação de presos que não tenham cometido crimes de forma violenta, desde que sentenciados a até oito anos de prisão e que tenham cumprido ao menos um terço da pena. Até ontem, o indulto estava integralmente suspenso por decisão da presidente do STF, Cármen Lúcia, que já havia considerado inconstitucional a concessão do indulto aos corruptos.
Na decisão, Barroso salientou a importância de punição a criminosos do colarinho branco como forma de coibir a prática. “O excesso de leniência em casos que envolvem corrupção privou o Direito Penal no Brasil de uma de suas principais funções, que é a de prevenção geral. O baixo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada desse delito”, anotou o ministro.
Ele criticou o ato de Temer pelo potencial para beneficiar corruptos. “Carece de legitimidade corrente um ato do poder público que estabelece regras que favorecem a concessão de indulto para criminosos do colarinho branco. Isso porque, ao invés de corresponder à vontade manifestada pelos cidadãos, o decreto reforça a cultura ancestral de leniência e impunidade que, a duras penas, a sociedade brasileira tenta superar. Em manifesta falta de sintonia com o sentimento social — e, portanto, sem substrato de legitimidade deGoverno, mocrática — o decreto faz claramente o contrário: dá um passe livre para corruptos em geral. Assim, a falta de legitimidade democrática é tão ou mais visível que o igualmente evidente desvio de finalidade”, concluiu Barroso.
Depois que Temer baixou o decreto, Cármen Lúcia o suspendeu durante o recesso da Corte, por conta das regras mais permissivas do que as normalmente estabelecidas nos indultos de Natal. O ponto mais controvertido era justamente a possibilidade de concessão de liberdade a quem cometeu crime de corrupção. Além disso, o decreto de Temer não estabelecia pena máxima imposta ao criminoso a ser beneficiado e considerava necessário apenas o cumprimento de um quinto do total da pena para o presidiário obter liberdade. O decreto também permitia que condenados a pagamento de multa que ainda não tivessem pagado o valor pudessem ser libertados.
AUMENTO DA PRESSÃO NOS PRESÍDIOS
A decisão de Cármen Lúcia de suspender o decreto gerou incerteza no meio jurídico. A dúvida era se o indulto poderia beneficiar criminosos não perigosos, ou se as regras estavam revogadas para todos. Desde o início do ano, chegaram ao STF manifestações de defensorias públicas de que as varas de execuções penais dos estados não estavam aplicando o decreto de modo geral — e que isso estaria aumentando a pressão nos presídios. Barroso tinha mantido a liminar de Cármen e liberou o tema para votação em plenário. Mas a presidente do STF não o incluiu nas pautas de março e abril, já divulgadas. Diante desse quadro, o ministro reformulou o posicionamento, que valerá até o plenário avaliar.
Na decisão, Barroso seguiu recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ficaram fora da possibilidade de indulto os crimes de peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, crimes contra o sistema financeiro nacional, fraude a licitações, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas. Também estão suspensos indultos se ainda houver recurso da acusação pendente de julgamento. E para condenados que já se beneficiaram da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e da suspensão condicional do processo. Também exige-se o pagamento de multas.
Em nota, o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Emanuel Queiroz, comemorou a decisão de Barroso. Para ele, foi importante dar a criminosos não violentos o direito ao indulto. Já o ministro da Secretaria de Carlos Marun, criticou a decisão.
— Não vejo suporte constitucional para que um ministro do STF estabeleça as regras pra um indulto de Natal. Pelo que sei, indulto de Natal é prerrogativa do presidente da República, e temo, sinceramente, que essa volúpia que busca o aviltamento das prerrogativas do presidente tenha consequências mais duras do que essas que se apresentam no momento. A Constituição existe para ser respeitada, não para ser interpretada de acordo com a criatividade de cada um — declarou Marun.
MUDANÇA NO SISTEMA DE INDULTO
A presidente do STF discutiu o tema com o ministro da Segurança, Raul Jungmann. Ficou acertado uma mudança no sistema de concessão de indulto no país. Atualmente, o presidente da República baixa um decreto com as condições para alguém ser beneficiado. A partir das regras, os advogados dos presos entram com o pedido de indulto. A proposta é que, agora, essa lógica seja invertida: antes de se editar o decreto, o poder público precisaria identificar nos presídios de todo o país quem se enquadra nas regras. Isso evitaria que alguém fosse deixado na prisão por mais tempo por falta de advogado ou defensor público.
No domingo, Cármen Lúcia recebeu o presidente Michel Temer em casa. No encontro, se discutiu a ideia de retomar os mutirões carcerários — um projeto implantado primeiro pelo ministro Gilmar Mendes entre 2008 e 2010, quando presidiu o CNJ e o STF.
Cármen decidiu colocar a medida em prática em abril. A partir de um cadastro de presos que está em fase de conclusão, serão postas em liberdade pessoas que já teriam esse direito, mas que por desorganização do sistema, continuam atrás das grades. (Colaborou Leticia Fernandes)
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