- O Estado de S.Paulo
O Estado brasileiro precisa ser refundado; ajustes marginais não funcionam
Semana passada, o ministro Lewandowski publicou um artigo na Folha de S. Paulo – “Soberania e ativos estratégicos”. Nele, deixa clara sua posição contra a privatização. No mesmo dia, concede uma medida cautelar que traz enorme insegurança jurídica à privatização. Coincidência?
Questões tratadas na cautelar foram discutidas inúmeras vezes no passado no Supremo Tribunal Federal (STF), através de ações direta de inconstitucionalidade (ADI). A Corte já consolidou o entendimento de que a lei que criou, e rege, o Programa Nacional de Desestatização (PND) é uma autorização genérica dada pelo Legislativo para que o Executivo faça a gestão da coisa pública e a ordenação da vida econômica no país. Entre os objetivos do PND listados no art.1º da lei está, no inciso I, reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público.
Com base na lei do PND, a decisão para privatizar é prerrogativa do Executivo e é feita de forma individualizada por ato da Administração. No caso do governo federal, a inclusão no programa de desestatização se dá através de decreto presidencial. O decreto só não é suficiente quando há uma lei vedando a privatização, como no caso da Petrobrás, já que o art.62, da Lei 9478/97 que exige o controle público.
Há 27 anos é assim. Dezenas de empresas, inclusive concessionárias de serviços públicos foram vendidas com base neste procedimento, e em todos os casos, o leilão de ações de controle foi aceito como modalidade de licitação.
Ou seja, não há nada de novo no debate que justificasse a concessão de medida cautelar às vésperas do recesso judiciário.
O ministro, no mais puro ativismo jurídico, alega na liminar que a urgência para sua concessão existe “haja vista que, diariamente, vêm sendo noticiadas iniciativas do Governo no sentido de acelerar as privatizações de estatais”. E sugere que está suspenso o processo de privatização.
Para dar uma roupagem técnica a uma decisão com viés ideológico a decisão cita dois precedentes que não se aplicam ao caso em discussão. Menciona a Ação Direta de Inconstitucionalidade 234/RJ onde foi questionado o poder do Estado em se desfazer de ativos sem lei autorizativa específica.
De fato, na época não havia uma lei geral que desse essa liberdade ao executivo estadual, como a que existe para o caso federal. Ou seja, situações distintas. O ministro também cita voto do ministro relator Sepúlveda Pertence na ADI 3578/2005, que opina a favor de lei especifica caso a caso, omitindo, no entanto, que foi um voto vencido, tendo a maioria da Corte confirmado jurisprudência sobre a desnecessidade de lei individual.
A menção a esses precedentes gerou a impressão de que, para o ministro, a Lei do PND não cumpriria essa função de uma autorização legal. Mas ele não diz nem que sim nem que não, apenas deixa enorme incerteza no ar. Só a revisão desta liminar pelo plenário poderá dar fim às inúmeras interrogações geradas por ela.
O art. 173 da Constituição diz claramente que a participação do Estado na atividade econômica é exceção, e não a regra. E pela lei do PND, quem tem a prerrogativa de definir quais atividades devem passar ao setor privado é o Executivo. Temos um governo respirando por aparelhos. Só isso explica que tenha assistido passivamente à invasão de sua competência. O Congresso Nacional, por sua vez, reagiu ao que considera excessiva intervenção do STF na esfera legislativa com projeto de lei que impede a suspensão de leis com base em decisões monocráticas em ADIs.
O Estado brasileiro precisa ser refundado, ajustes marginais não funcionam mais. O foco deve estar na atração de capitais privados. Para isso é fundamental reduzir as incertezas na nossa economia.
Na sua liminar, o ministro revê a jurisprudência pacificada do STF sobre a constitucionalidade do processo de desestatização gerando enorme insegurança jurídica. Tremendo gol contra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário